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Crítica

Rashid

: "Tão Real"

Ano: 2020

Selo: Foco Na Missão

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Emicida e Rincon Sapiência

Ouça: Todo Dia, Tão Real e Superpoder

8.0
8.0

Rashid: “Tão Real”

Ano: 2020

Selo: Foco Na Missão

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Emicida e Rincon Sapiência

Ouça: Todo Dia, Tão Real e Superpoder

/ Por: Cleber Facchi 30/01/2020

A mensagem de Rashid é clara: “esse é um disco pra você ouvir na rua“. Livre de possíveis conceitos, proposta reforçada logo nos primeiros minutos do trabalho, o rapper paulistano faz do sétimo álbum de estúdio da carreira, Tão Real (2020, Foco Na Missão), uma obra marcada pela força das rimas e evidente diálogo com o presente. Canções que discutem o peso do racismo (“Tem noção que a cada 23 minuto, uma mãe preta fica de luto? / Vidas que vão sem clemência ou tributo“), caos urbano (“Sem dia de folga, domingo, nem feriado / É o Game of Thrones da rua, não é seriado“) e a necessidade de seguir em frente (“E minha meta é mais que encher a geladeira / Eu luto por melhora para a vida inteira“) de forma bem-resolvida, livre de uma maquiagem alegórica.

A principal diferença em relação ao álbum anterior, Crise (2018), está na forma como rapper trabalha os versos de forma sempre intimista, como fragmentos de um diário transformado em música. “Mas tem dia que desmorono, perco a linha / Meu som dá força pu’cês, mas e eu? Onde busco a minha?“, questiona na melancólica faixa-título. São versos curtos, porém, sempre decididos. Instantes em que Rashid deixa de lado a imagem forte estampada na capa do disco para rimar sobre as próprias emoções. “Com retratos de dias que me modelam / Mas não fotos reveladas, fotos que revelam / Que o zica memo é o Michel e até espanta / Porque ele vive essas coisas tudo aí que o Rashid só canta“, completa.

A mesma força na composição dos versos acaba se refletindo nos momentos em que Rashid aporta em temas políticos e raciais. “Pesado nas linha, onde a censura ameaça / A volta e a desesperança fez um monte dos nosso reaça / Em meio à nuvem de fumaça e efeito moral de uma falsa moral / Seca o choro na bandeira enquanto nossas lágrimas regam o seu laranjal“, dispara em Todo Dia, bem-sucedida colaboração com Duda Yute. Pouco mais de quatro minutos em que o rapper paulistano vai da abolição da escravatura (“Aquela carta não salvou ninguém, ‘cês ‘tão confundindo Isabel e Sakura“) ao governo Bolsonaro em uma densa colisão de ideias que encontra em elementos da cultura pop um importante componente criativo.

Satisfatório perceber nos versos lançados por diferentes colaboradores ao longo da obra a mesma coerência de Rashid. Exemplo disso está em Um Mundo de Cada Vez. “Fácil falar que é mimimi quando nunca foi vítima / Sua opressão é bumerangue, volta como míssil / São tantos moldes, tantos modos, tantos medos / Sempre há mortes, nascimentos pra lidar, tudo é feito de ciclos“, rima Drik Barbosa. Em Não Pode, logo na abertura do disco, pequenas conquistas de Luccas Carlos que se entrelaçam com a base lírica lançada pelo rapper paulistano. “Por isso eu faço números de artista pop / A meta é não ficar pobre/ Hoje eu quero ouro na minha mesa de cobre / Estreia de clipe só se for no horário nobre / Avisa geral que eu quero ver minha firma forte“, celebra.

Para além do limite das rimas e batidas assinadas por nomes como Skeeter, NAVE Beatz e Grou, interessante perceber no maior refinamento das vozes um importante elemento de transformação para o fortalecimento do trabalho. São versos complementares, como na atmosférica Meu Amigo Tempo, encontro com os curitibanos da Tuyo (“Quantas vezes eu me vi / Com medo de me perder / Nesse caminho curto, raso?“), ou mesmo instantes em que Rashid resgata R&B nostálgico de Confundindo Sábios (2013), marca de Superpoder, parceria com Lellê (“Eu tô dando o sangue e ninguém me vê / Mas eu acredito, um dia vai virar / Dedicação é o meu superpoder, faço por você / Razão de querer ganhar“).

Mesmo nesse universo de pequenos acertos, não há como ignorar o forte inchaço da obra. Originalmente entregue ao público em três temporadas, emulando o conceito de uma série, quando observado em totalidade, Tão Real peca pelo excesso. São composições como Sobrou Silêncio, parceira com Duda Beat, e Bem Loko, reencontro com Rincon Sapiência, que funcionam de maneira isolada, dentro da versão reduzida do disco, porém, pouco contribuem para o andamento do álbum, tornando a experiência do ouvinte arrastada. Instantes de evidente desequilíbrio e distanciamento da base temática do registro, como episódios esquecíveis, os habituais fillers, em uma temporada repleta de pequenos acertos.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.