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Crítica

Rincon Sapiência

: "Mundo Manicongo"

Ano: 2019

Selo: MGoma

Gênero: Hip-Hop, Rap, Trap

Para quem gosta de: Emicida, Tássia Reis e Rashid

Ouça: Meu Ritmo, Real Oficial e Arrastão

8.5
8.5

Rincon Sapiência: “Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps”

Ano: 2019

Selo: MGoma

Gênero: Hip-Hop, Rap, Trap

Para quem gosta de: Emicida, Tássia Reis e Rashid

Ouça: Meu Ritmo, Real Oficial e Arrastão

/ Por: Cleber Facchi 04/12/2019

Em tempos de forte conservadorismo, repressão policial e perseguição a grupos marginalizados, experiências simples do cotidiano, como sorrir e dançar, se transformam em um poderoso ato de resistência. E é exatamente isso que Rincon Sapiência discute no segundo e mais recente álbum de estúdio da carreira, Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps (2019, MGoma). Menos hermético em relação ao antecessor Galanga Livre (2017), o registro que conta com produção assinada pelo próprio artista preserva o forte discurso político testado no disco anterior, porém, parte de um novo direcionamento estético, fazendo da utilização de ritmos periféricos um estímulo natural para a composição dos versos.

E isso se reflete logo nos primeiros minutos do disco, na introdutória faixa-título do trabalho. Do uso das guitarras, claramente inspiradas em elementos da cultura africana, passando pela criativa sobreposição das batidas, ruídos sintéticos e temas eletrônicos, Sapiência e o parceiro de produção, o experiente MazBeats, costuram quatro ou mais décadas de referências de forma deliciosamente frenética, arrastando o ouvinte para as pistas. Um misto de passado e presente, como um avanço claro em relação ao material entregue em Galanga Livre.

É partindo justamente dessa estrutura que o rapper paulistano orienta a experiência do ouvinte até o último instante do trabalho, na crescente Primeiro Volante (Verso Livre). São composições marcadas pela celebração ao povo preto, como na já conhecida Meu Ritmo (“É o fluxo onde as caixa treme / É o reflexo, é o bumbum que mexe / Da quebrada nóis tá saindo / E na nossa conta tá entrando cash“), e instantes de doce escapismo, como na divertida Arrastão (“Resistindo no temporal / Nossa arte é atemporal / E vai além desse carnaval / Mais respeito, menos confete“). Um ziguezaguear de ideias que mostra a completa versatilidade do rapper dentro de estúdio.

Parte desse direcionamento dado ao disco vem da escolha do próprio artista em estreitar a relação com diferentes articuladores do novo pop e rap nacional. São nomes como a cantora e compositora carioca Lellê, com quem o rapper divide a abrasiva Sensação e Eu Mereço; no R&B de Lábios de Mel, um encontro com Gaab; nas rimas de Na Palma da Mão, a colaboração com Audácia. Surgem ainda nomes como Rael, em Me Nota, Mano Brown, na ótima Não Sei Pra Onde, 3Duquesa, em Amor e Calor, e os baianos do ÀTTØØXXÁ, na já citada Arrastão.

Interessante notar que mesmo guiado pelo forte aspecto melódico e rítmico, Mundo Manicongo em nenhum momento oculta a força das rimas lançadas por Sapiência. E isso se reflete com naturalidade não apenas na sequência de abertura do álbum, composta por Meu Ritmo, Real Oficial e a própria faixa-título do disco, como na derradeira Primeiro Volante (Verso Livre). Frações poéticas em que o rapper paulistano vai da periferia de São Paulo à ancestralidade africana, do enfrentamento político à celebração em uma criativa colisão de ideias, como uma interpretação dançante e ainda mais acessível do material apresentado em Galanga Livre.

Marcado pelos detalhes, conceito explícito logo na imagem de capa do disco, Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps é uma obra que tanto dialoga com o público logo nos primeiros minutos, como parece maior e mais complexa a cada nova audição. Do uso de elementos da obra de Famoudou Konatè, percussionista e um dos importantes nomes da música do Guiné, passando pela criativa identidade visual que serve de sustento aos clipes produzidos para o trabalho, tudo parece pensado para impressionar o ouvinte, indicativo do permanente amadurecimento e controle artístico do rapper paulistano.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.