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Crítica

MC Tha

: "Rito de Passá"

Ano: 2019

Selo: Independente

Gênero: Pop, MPB, Funk

Para quem gosta de: Jaloo e Linn da Quebrada

Ouça: Rito de Passá, Oceano e Despedida

8.3
8.3

“Rito de Passá”, MC Tha

Ano: 2019

Selo: Independente

Gênero: Pop, MPB, Funk

Para quem gosta de: Jaloo e Linn da Quebrada

Ouça: Rito de Passá, Oceano e Despedida

/ Por: Cleber Facchi 26/06/2019

Na fé de Zambi
E de Oxalá
Pedimos Licença
Pros trabalhos começá
Abram os caminhos
Abram-se os caminhos

MC Tha pede passagem. Em Rito De Passá (2019, Independente), primeiro álbum de estúdio da cantora e compositora paulistana, cada fragmento do disco se revela ao público em pequenas doses, como um precioso exercício de apresentação. Da construção dos versos, sempre sensíveis e guiados por experiências intimistas, passando pela formação dos arranjos que vão do funk ao uso de elementos regionais, difícil não pensar na obra como uma extensão natural de tudo aquilo que a artista de Cidade Tiradentes, bairro localizado na Zona Leste de São Paulo, vem explorando desde o início da carreira.

Concebido em um intervalo de poucos meses, o trabalho que conta com direção musical e produção de Pedrowl (Lia Clark, O’Hearts) se espalha em meio a versos marcados pela forte religiosidade, profunda entrega sentimental, frustrações e instantes de doce melancolia. Retalhos instrumentais e poéticos que confirmam a completa versatilidade da artista, acessível e provocativa na mesma proporção. Canções que ampliam tudo aquilo que a MC Tha havia originalmente testado em músicas como Olha Quem Chegou, Bonde da Pantera e Valente.

Exemplo disso está na própria faixa-título do disco. “Me refiz na lama / Vi pedra rolar / Dancei com a correnteza / Me deixei pro mar“, canta enquanto batidas ritualísticas atravessam os terreiros de umbanda para dialogar com a atmosfera quente de um baile funk. Um misto de desconstrução e busca por novas possibilidades, estrutura que orienta a experiência do ouvinte até o último segundo da obra, no pancadão afirmativo de Comigo Ninguém Pode. “Eu sou guerreira que canta / Encanta e vence a guerra / Eu sou o passo mais largo / Que já andou nessa terra“, cresce a letra da canção enquanto o parceiro de estúdio brinca com as batidas de forma propositadamente instável, mudando de direção a todo instante.

O mesmo direcionamento versátil se faz evidente no romantismo tropical de Onda, criação que se abre para a breve interferência do guitarrista Felipe Cordeiro, além, claro, do parceiro de longa data, o cantor e compositor Jaloo. Em Coração Vagabundo, terceira faixa do disco, um colorido cardápio de ideias que vai do pop eletrônico ao axé, conceito que volta a se repetir na agridoce Despedida, música que reflete o cuidado da artista na formação dos versos — “Vou me despedir de você / De tudo o que a gente podíamos ser / E assim me despeço de mim / De uma parte de mim que prefere você … Enquanto minha estrela decola / Meu coração aterriza / E eu choro sozinha“. Mesmo em composições menores, como no pop convencional de Clima Quente, interessante perceber a forma como MC Tha preserva a essência da própria obra, fazendo disso um estímulo para dialogar com o som produzido por estrangeiros como Major Lazer e MØ.

Em Oceano, faixa que mais se distancia do restante da obra, um evidente ponto de transformação e propositada ruptura criativa. Do uso minucioso dos sintetizadores ao completo refinamento das batidas, cada fragmento da canção parece servir de alicerce para a poesia triste derramada por MC Tha. “Enquanto mais eu me envolvo / Mais namoro a solidão / Ainda hoje lembrei / Das tuas risadas sem fim / E eu me questionei: riram de mim ou pra mim?“, questiona e um ato de doce vulnerabilidade, ampliando os limites do trabalho.

Por vezes íntimo da mesma base conceitual que embala obras recentes, como Oyá Tempo (2017), de Luiza Lian, e Trovão (2019), da baiana Larissa Luz, Rito de Passá encanta justamente pela forma como a cantora utiliza de elementos talvez complexos de forma acessível, íntima do grande público. Um minucioso exercício criativo que ultrapassa os limites de estúdio e se manifesta na própria estética adotada para o material de divulgação do álbum — trabalho que conta com fotografia de Junior Franch e direção artística de Vitor Nunes. Frações do imenso repertório criativo que define a identidade de MC Tha.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.