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Crítica

Róisín Murphy

: "Róisín Machine"

Ano: 2020

Selo: Skint / BMG

Gênero: Eletrônica, Disco, House

Para quem gosta de: Jessie Ware e Robyn

Ouça: Incapable, Murphy's Law e Narcissus

8.5
8.5

Róisín Murphy: “Róisín Machine”

Ano: 2020

Selo: Skint / BMG

Gênero: Eletrônica, Disco, House

Para quem gosta de: Jessie Ware e Robyn

Ouça: Incapable, Murphy's Law e Narcissus

/ Por: Cleber Facchi 08/10/2020

Mesmo perto de completar três décadas de carreira, Róisín Murphy segue tão ou mais inventiva do que quando começou o trabalho como cantora, no início dos anos 1990. Em Róisín Machine (2020, Skint / BMG), quinto e mais recente álbum de estúdio da artista em carreira solo, cada composição nasce justamente como um produto da soma de experiências, histórias e sentimentos acumulados pela irlandesa de 47 anos. “Eu sinto que minha história ainda não foi contada, mas farei meu próprio final feliz“, anuncia logo nos primeiros minutos do disco, em Simulation, música originalmente lançada em 2012 e princípio do lento processo de composição ao lado do produtor Richard Barratt, parceiro de longa data e colaborador em cada uma das faixas que recheiam o sucessor de Take Her Up to Monto (2016).

Feito para ser absorvido aos poucos, sem pressa, Róisín Machine é uma obra que utiliza do tempo a seu favor. Na contramão de outros exemplares recentes, também inclinadas ao resgate da eurodisco, como Future Nostalgia (2020), de Dua Lipa, e What’s Your Pleasure? (2020), de Jessie Ware, Murphy garante ao público um registro que avança lentamente, seduzindo o ouvinte a cada novo fragmento de voz, batida ou mínimo acréscimo instrumental. São faixas de seis a oito minutos, como se a cantora despisse o disco de qualquer traço de imediatismo em favor de um material que exige não apenas ser consumido, como desvendado pelo público.

A própria sequência de abertura evidencia isso. É difícil saber exatamente quando acaba Simulation e tem início Kingdom of Ends, efeito direto do precioso emaranhado sintético proposto por Barratt. São camadas e mais camadas de sintetizadores que acompanham o movimento ondulado das vozes de Murphy, arrastando o ouvinte para dentro de uma experiência totalmente catártica, por vezes religiosa. “Eu conheci a verdadeira forma dos meus desejos / Se você não pode fugir, significa que você não pode voltar atrás … É quando chegamos ao fim / É quando chegamos ao reino dos fins“, anuncia em tom de testemunho, detalhando uma série de elementos que resgatam diferentes aspectos relacionados às próprias vivências.

Entretanto, para além do lirismo empoeirado, sobrevive no desejo de seguir em frente e provar de novas possibilidades, sejam elas rítmicas ou sentimentais, a real beleza da obra. “Eu quero algo mais / Eu quero algo mais“, repete na terceira faixa do disco, conduzindo a experiência do ouvinte de forma misteriosa, proposta que amplia tudo aquilo que a cantora havia testado em Ruby Blue (2007), registro marcado pela assinatura do produtor Matthew Herbert. São inserções minuciosas, a percussão ocasional, respiros e quebras que antecedem momentos de maior euforia, conceito que torna a experiência de ouvir o álbum sempre imprevisível. É como se a voz de Murphy fosse o único componente de orientação para o público, costurando cada fragmento até a derradeira Jealousy.

Uma vez imerso nesse cenário, Murphy garante ao ouvinte desde faixas deliciosamente acessíveis, caso da cantarolável Murphy’s Law, Incapable e Narcissus, até músicas pontuadas por momentos de maior experimentação. É o caso de Shellfish Mademoiselle e, principalmente, We Got Together. Do desenho torto dos sintetizadores, passando pelo tratamento dado às batidas e vozes, cada elemento da faixa soa como uma parcial desconstrução de tudo aquilo que veteranos da cena eletrônica haviam testado nos anos 1990. Instantes em que a cantora irlandesa se permite apontar para o passado, porém, preserva a própria identidade artística, rompendo com qualquer traço de nostalgia barata.

Evidente ponto de renovação dentro da discografia de Murphy, Róisín Machine resgata todos os elementos que fizeram da artista um dos nomes mais importantes do gênero, como as letras confessionais e uso de temas dançantes, contudo, parte de um novo direcionamento estético. Na contramão dos antecessores Hairless Toys (2015) e Take Her Up to Monto, cada composição parece servir de passagem para a música seguinte. São incontáveis camadas de sintetizadores, batidas e vozes que se entrelaçam em um minucioso cruzamento de ideias. Uma experiência sensorial que tem início na ambientação espaçada de Simulation, mas que continua a ecoar na cabeça do ouvinte mesmo após a última batida de Jealousy.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.