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Crítica

Sault

: "Nine"

Ano: 2021

Selo: Forever Living Originals

Gênero: Neo-Soul, R&B, Funk

Para quem gosta de: Ezra Collective e Sons of Kemet

Ouça: London Gangs e Bitter Street

8.0
8.0

Sault: “Nine”

Ano: 2021

Selo: Forever Living Originals

Gênero: Neo-Soul, R&B, Funk

Para quem gosta de: Ezra Collective e Sons of Kemet

Ouça: London Gangs e Bitter Street

/ Por: Cleber Facchi 08/07/2021

Quem há tempos acompanha as criações do Sault, misterioso coletivo londrino, sabe da trilha não convencional percorrida a cada novo trabalho de estúdio. Sem membros fixos, materiais de divulgação ou redes sociais, a banda sustenta nas vozes e temas instrumentais as principais ferramentas para atrair a atenção do público. Entretanto, com a chegada de Nine (2021, Forever Living Originals), quinto registro de inéditas da carreira, o grupo decidiu seguir uma abordagem diferente. Ao contrário do material entregue nos antecessores e ainda recentes Untitled (Rise) e Untitled (Black Is), o novo disco estará disponível para audição e será comercializado oficialmente por um período limitado de 99 dias. Depois disso, o álbum será removido de todas as plataformas de streaming e lojas.

E se eu fosse você, correria para garantir uma cópia do trabalho – mesmo que de maneira “alternativa”. Da mesma forma que os registros que o antecedem, o álbum de dez faixas funciona como um precioso documento da música negra produzida em território inglês. São canções que transitam por entre ritmos, conceitos criativos e temáticas raciais de forma sempre detalhista, como uma extensão natural de tudo aquilo que o coletivo tem revelado desde a entrega dos introdutórios 5 (2019) e 7 (2019). Um misto de passado e presente, mas que em nenhum momento deixa de mirar o futuro, proposta que vai da escolha dos temas ao tratamento dado aos arranjos, sempre orquestrados pelo prolífico Inflo, produtor que já colaborou com nomes como Michael Kiwanuka e Little Simz.

Vem justamente do encontro com a rapper britânica, parceria em You from London, uma síntese conceitual de tudo aquilo que a banda busca desenvolver ao longo da obra. Enquanto os versos passeiam pelas ruas da capital inglesa de forma sempre descritiva, musicalmente o coletivo investe na construção de temas eletrônicos e camadas de instrumentais que se revelam ao público em uma medida própria de tempo. São ambientações sintéticas, ruídos e batidas cíclicas, direcionamento que acaba se refletindo em diversos momentos ao longo da obra. Exemplo disso acontece na sequência composta por London Gangs, Trap Life e Fear. Pouco menos de dez minutos em que o grupo investe na urgência dos temas, rompendo com parte da essência explícita nos discos anteriores.

Claro que isso não impede a banda de investir na construção de faixas deliciosamente atmosféricas, ainda íntimas do mesmo soul empoeirado que marca os trabalhos anteriores. É o caso de Bitter Street. Regida em essência pelas vozes de Cleo Sol, a canção ganha forma em meio a versos melancólicos e harmonias de vozes que parecem pensadas para envolver o ouvinte. “Mesmo que você não seja bom para mim / Hoje estou perdida / Amanha veremos / Eu costumava sonhar“, detalha. A mesma vulnerabilidade acaba se refletindo na faixa seguinte, Alcohol, composição em que os sentimentos transbordam de maneira ainda mais dolorosa, orientando a lenta construção dos arranjos. “Olha o que eu fiz / Batalha da dor quando bebo / Um passo para frente, dois passos para trás“, canta.

A própria música de encerramento do disco, Light’s in Your Hands, encanta pela riqueza dos arranjos e uso orquestral das vozes, como uma canção esquecida de Aretha Franklin. “Sem amor, é difícil para você tentar / Tantas promessas que se transformam em mentiras / Não quero começar de novo e dar uma chance a alguém / Você não pode ver que a luz está em suas mãos?“, questiona a letra da canção que ainda se completa pelo uso de um depoimento emocional, conceito que se repete ao longo da obra. São faixas como a delicada Mike’s Story, em que o coletivo utiliza de histórias reais como um importante componente de diálogo com o ouvinte, direcionamento explícito durante a produção do álbum anterior, mas que ganha ainda mais destaque na montagem do presente disco.

Não por acaso, Nine acaba se mostrando como o registro mais equilibrado e uma boa forma de introdução ao som produzido pelo Sault. São pouco mais de 30 minutos em que temas políticos se espalham em meio a crônicas urbanas, conflitos intimistas e momentos de maior entrega sentimental. Mesmo a base instrumental do disco reflete a completa versatilidade do coletivo britânico dentro de estúdio. Instantes em que somos transportados para a produção dos anos 1960 e 1970, porém, sempre próximos de temas eletrônicos e reformulações que embalam os trabalhos de outros nomes de recentes da música negra, como Genesis Owusu e Young Fathers. Um precioso exercício criativo que deve reverberar para muito além do prazo estrategicamente imposto pela própria banda.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.