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Crítica

Sault

: "Untitled (Rise) / Untitled (Black Is)"

Ano: 2020

Selo: Forever Living Originals

Gênero: Neo-Soul, R&B, Funk

Para quem gosta de: Ezra Collective e Young Fathers

Ouça: Wildfires, Free e I Just Wanna Dance

8.0 / 7.6
8.0 / 7.6

Sault: “Untitled (Rise)” / “Untitled (Black Is)”

Ano: 2020

Selo: Forever Living Originals

Gênero: Neo-Soul, R&B, Funk

Para quem gosta de: Ezra Collective e Young Fathers

Ouça: Wildfires, Free e I Just Wanna Dance

/ Por: Cleber Facchi 23/09/2020

Mesmo sem qualquer material de divulgação, redes sociais discretas e colaboradores parcialmente ocultos, o coletivo Sault rapidamente se transformou em um novo fenômeno da música inglesa. Sob a regência de Inflo, produtor que trabalhou com nomes como Michael Kiwanuka, Little Simz e Danger Mouse, o coletivo tem feito de cada novo registro de inéditas um precioso resgate conceitual. São canções que passeiam por diferentes fases e tendências da música negra, estrutura que vai da pluralidade de ritmos na década de 1970 ao neo-soul dos anos 1990, de elementos da cultura brasileira ao resgate da ancestralidade africana, estímulo para a formação de obras importantes como 5 (2019) e 7 (2019), apresentadas no último ano.

Entretanto, mesmo nesse cenário marcado pela criativa convergência de ideias, olhar curioso para o passado e esmero na formação dos arranjos, sobrevive na recente sequência formada por Untitled (Black Is) [2020] e Untitled (Rise) [2020], um evidente ponto de transformação dentro da curta discografia do coletivo britânico. Duas obras que partem de um mesmo direcionamento estético, linguagem e sonoridade, mas que transitam por caminhos completamente opostos, indicativo da completa versatilidade e busca por transformação de cada realizador dentro de estúdio.

Lançado poucas semanas após o assassinato de George Floyd (1973-2020) e a crescente onda de protestos que tomaram conta dos Estados Unidos, Untitled (Black Is), como o próprio título aponta, reflete o lado político do coletivo. “Você deveria sentir vergonha / O derramamento de sangue em suas mãos / Outro homem / Tire seu distintivo / Todos nós sabemos que foi assassinato“, cresce a letra de Wildfires, música que se aprofunda na temática racial e extermínio da população negra, apontando a direção seguida em parte expressiva da obra. São versos sempre contestadores, fortes, como um avanço em relação ao material entregue meses antes, durante a dobradinha apresentada no último ano.

Se por um lado esse maior esmero na formação dos versos serviu para expressar a força do coletivo inglês, por outro, o excesso de canções e temas que se repetem ao longo da obra tornam a experiência de ouvir o álbum arrastada. É como se Inflo e seus parceiros fossem incapazes de alcançar a mesma concisão evidente em 5 e 7, estendendo para além do necessário. Claro que isso não interfere na produção de músicas como Us, com seu discurso empoderador, e a sequência formada por Bow, com Michael Kiwanuka, e This Generation ao lado de Laurette Josiah.

Satisfatório perceber nas canções de Untitled (Rise), quarto e mais recente álbum de estúdio do Sault, um evidente ponto de equilíbrio em relação a tudo aquilo que o coletivo tem produzido nos últimos meses. São canções que preservam o discurso político da banda, porém, estabelecem no lirismo esperançoso um necessário elemento de acréscimo. O resultado desse direcionamento está na entrega de um material que reforça o caráter provocativo da banda, mesmo estabelecendo incontáveis respiros e momentos de forte escapismo. Da criativa mistura de ritmos, em I Just Want to Dance, com sua bateria de escola de samba, passando pela essência nostálgica de Son Shine, tudo salta aos ouvidos.

O mais interessante talvez seja perceber que toda essa movimentação tenha se dado em um curtíssimo intervalo de tempo. São poucos meses que separam a recente sequência entregue pela banda do material apresentado no último ano, o que torna tudo ainda mais fascinante. Um permanente exercício criativo que parte do resgate de antigas tendências, incorpora de forma particular uma série de acontecimentos recentes, e estabelece na universalidade do discurso um precioso elemento de diálogo com o ouvinte, proposta que naturalmente supre a necessidade de qualquer rosto ou outro elemento de conexão relacionado à imagem do projeto.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.