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Crítica

Kindness

: "Something Like a War"

Ano: 2019

Selo: Female Energy

Gênero: R&B, Soul, Pop Alternativo

Para quem gosta de: Blood Orange, Kelela e Robyn

Ouça: Hard to Believe e Raise Up

7.0
7.0

“Something Like a War”, Kindness

Ano: 2019

Selo: Female Energy

Gênero: R&B, Soul, Pop Alternativo

Para quem gosta de: Blood Orange, Kelela e Robyn

Ouça: Hard to Believe e Raise Up

/ Por: Cleber Facchi 19/09/2019

Declaradamente inspirada* pela produção dos anos 1970 e 1980, Adam Bainbridge poderia facilmente seguir a cartilha de outros produtores do gênero, revisitando o passado de forma estilística, como um preguiçoso resgate de tendências. Entretanto, desde que deu início ao trabalho como Kindness, a artista inglesa vem se revezando na entrega de um material deliciosamente versátil e autoral, proposta que naturalmente resgata uma série de conceitos há muito consolidados no R&B/soul, porém, tratados de forma transformada, como uma propositada fuga do óbvio e construção da própria identidade musical.

Não por acaso, Bainbridge decidiu inaugurar o terceiro álbum de estúdio da carreira, Something Like a War (2019, Female Energy), com a provocativa Sibambaneni. “Haverá pessoas que dirão: ‘você não mistura isso com aquilo’. E você dirá: observe‘”, anuncia a voz que antecipa a soma de vozes sobrepostas e orquestrações sampleadas, como um preparativo para o material que ganha ainda mais destaque na crescente Raise Up. São pouco menos de quatro minutos em que a artista inglesa brinca com a criativa colagem de ideias, estrutura que naturalmente aponta para o trabalho de nomes como Hercules and Love Affair, Blood Orange e demais interessados em revisitar o passado.

Perfeita representação desse cuidado de Bainbridge em colidir diferentes fórmulas instrumentais ecoa com naturalidade em Softness as a Weapon. Concebida em meio a batidas e vozes cíclicas que servem de base para a solução de metais e ruídos eletrônicos trabalhados ao fundo da composição, a faixa parece costurar três ou mais décadas de referências de forma propositadamente inexata, estrutura que se completa pela breve interferência de Robyn. Trata-se de uma clara tentativa da Kindness em resgatar algumas de suas principais referências criativas, fazendo disso o estímulo para um desdobramento particular.

O mesmo comprometimento estético se reflete com naturalidade em Hard To Believe. Concebida em parceria com Jazmine Sullivan e Sampha, a canção não apenas resgata uma série de elementos originalmente testados por Michael Jackson no fim da década de 1980, como se entrega ao R&B de The Weeknd e outros nomes recentes da música negra. Um som cuidadoso e sensível, minúcia que se reflete no lirismo melancólico que toma conta dos versos. “Não tenho certeza de que você sabe o que deseja / Mas tenho certeza de que sou o que você precisa / E provavelmente estou fazendo muito / Mas não posso ajudar do jeito que me sinto“, cresce a letra da canção enquanto a linha de baixo suculenta funciona como um estímulo para a inserção de guitarras e sintetizadores cíclicos, sempre precisos.

Partindo desse colorido mosaico de ideias, Bainbridge garante ao público uma obra conceitualmente ampla. Canções que ora apontam para as pistas de dança, ora refletem o cuidado da artista na entrega de um som contemplativo, como uma fuga de possíveis excessos. Frações instrumentais e poéticas que se abrem para a colaboração constante de nomes como Robyn, em The Warning e Cry Everything; Alexandria, na ótima Who You Give Your Heart To), Cosima, em No New Lies; Nadia Nair, na derradeira Call It Down e, principalmente, Seinabo Sey, parceira em Lost Without.

Obra de momentos, como tudo aquilo que Bainbridge tem produzido desde a estreia com World, You Need a Change of Mind (2012), Something Like a War encanta pelo direcionamento estético e reciclagem melódica adotado pela artista, porém, custa a impressionar o ouvinte logo em uma primeira audição. É necessário tempo e considerável esforço para absorver todas as nuances detalhadas pela produtora durante toda a execução da obra. São retalhos instrumentais, rítmicos e poéticos que se abrem para a interferência constante de diferentes colaboradores, fazendo desse conceito inexato o principal estímulo para a composição da obra.


[*] Este artista se define como não binário ou neutro. Pela ausência de uma norma específica na Língua Portuguesa, adotamos pronomes femininos como uma estrutura padrão menos opressiva.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.