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Crítica

Spellling

: "The Turning Wheel"

Ano: 2021

Selo: Sacred Bones Records

Gênero: Art Pop, Experimental

Para quem gosta de: Julia Holter e Kelsey Lu

Ouça: Boys at School e Little Deer

8.0
8.0

Spellling: “The Turning Wheel”

Ano: 2021

Selo: Sacred Bones Records

Gênero: Art Pop, Experimental

Para quem gosta de: Julia Holter e Kelsey Lu

Ouça: Boys at School e Little Deer

/ Por: Cleber Facchi 05/07/2021

Em um cenário historicamente dominado por mulheres brancas, como Julia Holter, Jenny Hval e Kate NV, Chrystia Cabral, junto de outros nomes recentes, como Kelsey Lu e Serpentwithfeet, tem proporcionado uma visão diferente ao pop em seu estado mais transgressor. E isso fica bastante evidente em toda a série de discos apresentados pela cantora e compositora norte-americana ao longo da última década. São registros, como o introdutório Pantheon of Me (2017), de onde vieram faixas como Black Wax e Choke Cherry Horse, e o sucessor, Mazy Fly (2019), em que busca por novas possibilidades dentro de estúdio, conceito bastante evidente em toda a série de composições que embalam o trabalho, como Haunted Water, Afterlife e a estrutura delirante de Under The Sun.

Sem necessariamente se repetir, porém, ainda imersa no mesmo território criativo desbravado em Mazy Fly, Cabral revela ao público o terceiro e mais recente trabalho de estúdio como Spellling. Intitulado The Turning Wheel (2021, Sacred Bones Records), o registro estabelece no lento desvendar de cada elemento a passagem para um território próprio da instrumentista norte-americana. São canções que exigem tempo até se revelar por completo. Canções marcados pelo uso de temas orquestrais e momentos de maior imersão, proposta que vai do uso instrumental das vozes, como em Sweet Talk, ao minucioso tratamento dado aos arranjos, estrutura que resulta na construção de faixas essencialmente extensas, como se feitas para serem absorvidas aos poucos, sem pressa.

Não por acaso, Cabral fez da crescente Little Deer a primeira composição disco a ser apresentada ao público. Enquanto os versos esbarram no mesmo lirismo fantástico de Kate Bush (“O pequeno cervo vai se casar comigo / Amantes ternos da terra / Transforme-nos de volta em sujeira / Morte do inverno, morte da véspera“), musicalmente, a artista parece testar os próprios limites dentro de estúdio. São orquestrações sublimes, metais e a percussão reducionista que se encontra com os habituais sintetizadores de Spellling, ampliando de forma significativa os limites da obra. “Little Deer é definitivamente uma faixa tese. Eu sinto assim não só porque mostra a maior gama de instrumentos que é apresentada no álbum, mas também porque realiza essa forte impressão de teatro que eu estava buscando com o álbum como um todo“, comentou em entrevista à Circuit Sweet.

É justamente essa forte teatralidade que torna a experiência de ouvir The Turning Wheel uma obra tão satisfatória. São canções que partem de uma base econômica, porém, crescem no forte domínio criativo de Cabral. Exemplo disso acontece na extensa Boys At School. São pouco mais de sete minutos em que a instrumentista revela cada elemento em uma medida própria de tempo. Do uso dos pianos à lenta sobreposição de componentes eletrônicos, da voz atmosférica à inusitada inserção das guitarras, perceba como a cantora parece encaixar e remover cada elemento de forma sempre estratégica. É como se a artista, pela primeira vez desde a estreia com Pantheon of Me, tivesse completo domínio sobre o próprio trabalho, cuidado que se reflete até o fechamento do álbum.

Exemplo disso acontece justamente nas composições mais extensas do disco. São músicas como Queen of Wands e a própria faixa-título em que Spellling passeia em meio a incontáveis camadas de sintetizadores e momentos de maior orquestração de forma sempre detalhista, como uma interpretação ainda mais complexa do material entregue pela cantora durante o lançamento do álbum anterior. Instantes em que a artista norte-americana vai das trilhas sonoras de filmes de terror produzidas por John Carpenter aos momentos de maior delírio que abastecem o fino repertório de Laurie Anderson. Canções que transitam por entre cenas, tendências e propostas criativas de forma sempre particular, indicativo do completo domínio de Cabral durante toda a produção do trabalho.

Claro que isso não exime a artista de uma série de problemas bastante evidentes ao longo da obra. Diferente do material apresentado em Mazy Fly, The Turning Wheel é um registro fortemente prejudicado pela ausência de ritmo e excesso de canções. É como se a musicista se recusasse a abandonar parte do material que pouco contribui para o fortalecimento do disco. São faixas como Legacy e The Future em que Cabral preserva o esmero evidente no restante da obra, mas que parecem deslocadas, com versões menores e pouco interessantes do material entregue em algumas das composições mais complexas do disco. Momentos de breve desequilíbrio, mas que em nenhum momento prejudicam o alcance e evidente cuidado da compositora na montagem do álbum.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.