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Crítica

Sufjan Stevens

: "The Ascension"

Ano: 2020

Selo: Asthmatic Kitty

Gênero: Folktrônica, Eletrônica, Ambient Pop

Para quem gosta de: Bon Iver e Perfume Genius

Ouça: Sugar, America e Gilgamesh

8.0
8.0

Sufjan Stevens: “The Ascension”

Ano: 2020

Selo: Asthmatic Kitty

Gênero: Folktrônica, Eletrônica, Ambient Pop

Para quem gosta de: Bon Iver e Perfume Genius

Ouça: Sugar, America e Gilgamesh

/ Por: Cleber Facchi 29/09/2020

Quando se tem em mãos uma obra tão comovente quanto Carrie & Lowell (2015), não importa o que você apresente ao público depois disso: tudo será ouvido com desconfiança. E Sufjan Stevens parece entender bem isso. Não por acaso, o cantor e compositor norte-americano levou cinco anos até apresentar o aguardado sucessor do registro que revelou faixas como Should Have Known Better e Death With Dignity, o atmosférico The Ascension (2020, Asthmatic Kitty). Entretanto, mais do que um novo passo na discografia do músico de Detroit, sobrevive nas canções presente álbum o produto final de um lento processo de aprimoramento artístico que teve início há uma década, durante o lançamento de The Age of Adz (2010).

Na ocasião, Stevens, que sempre preservou a atmosfera acústica dos próprios trabalhos, decidiu mergulhar no uso de experimentações sintéticas, batidas e vozes marcadas pelo uso caricatural do auto-tune, como na extensa Impossible Soul. E é exatamente isso que o músico busca reforçar nas canções de The Ascension. Onde antes brotavam orquestrações sublimes e arranjos sempre detalhistas, hoje borbulham sintetizadores cósmicos e vocalizações carregadas de efeitos. Um misto de sequência e fina desconstrução de tudo aquilo que fez do artista um dos nomes mais influentes das últimas duas décadas.

Exemplo disso acontece em Die Happy, sexta faixa do disco. Longe da narrativa detalhista presente em obras como Michigan (2003) e Illinois (2005), Stevens se concentra na produção de uma letra cíclica e simples, como um mantra. “Eu quero morrer feliz“, repete exaustivamente, arrastando o ouvinte para dentro de um território de emanações labirínticas, batidas inexatas e pequenas quebras instrumentais. O mesmo tratamento acaba se refletindo em outros momentos da obra, como no pop nostálgico de Video Game e Tell Me You Love Me. São fragmentos poéticos que se curvam à base melódica do disco, como se tudo não passasse de um extenso estudo conceitual e busca por novas possibilidades criativas.

Contudo, longe de parecer um simples exercício de estilo, The Ascension preserva o caráter sentimental de Stevens, porém, partindo de um novo direcionamento estético. É como se o músico despisse os próprios poemas, focando apenas na ideia central de cada composição. O resultado desse processo está na entrega de músicas como My Rajneesh, Sugar e, principalmente, a derradeira America, canção em que questiona o amor divino e pequenos conflitos existencialistas partindo do atual cenário político dos Estados Unidos. “É amor que você procura? / Um sinal da inundação ou mais um desastre / Não faça comigo o que você fez com a América“, martela, detalhando a sensação de isolamento e descrença do eu lírico.

O problema é que The Ascension chega ao público como um registro livre de qualquer traço de ineditismo. Mesmo que seja o primeiro trabalho de estúdio desde o material apresentado em Carrie & Lowell, nos últimos anos, o cantor e compositor estadunidense esteve envolvido em uma série de obras paralelas, todas dotadas de uma linguagem bastante similar. Do colaborativo Planetarium (2017), ao lado de Bryce Dessner, Nico Muhly e James McAlister, passando pelo recente encontro com o próprio padrasto, Lowell Brams, em Aporia (2020), sobram instantes onde o artista antecipa uma série de conceitos e temas instrumentais que se repetem dentro do presente disco.

Entretanto, Stevens trata tudo com tamanha naturalidade e leveza ao longo da obra que é difícil não se deixar conduzir pelo repertório entregue pelo músico. A própria escolha do artista em organizar o disco em uma estrutura crescente, deixando as faixas mais extensas para o fechamento do disco, torna tudo ainda mais interessante e atrativo. São incontáveis camadas instrumentais, fragmentos de vozes, batidas e sintetizadores etéreos, direcionamento que tende ao excesso em diversos momentos ao longo do álbum, como na porção central do registro, mas que perverte qualquer traço de exagero frente ao lirismo cirúrgico e completa entrega sentimental do artista durante toda a execução do trabalho.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.