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Crítica

The Antlers

: "Green to Gold"

Ano: 2021

Selo: ANTI-

Gênero: Indie Folk, Dream Pop, Slowcore

Para quem gosta de: Low, Destroyer e Grizzly Bear

Ouça: It Is What It Is e Solstice

7.8
7.8

The Antlers: “Green to Gold”

Ano: 2021

Selo: ANTI-

Gênero: Indie Folk, Dream Pop, Slowcore

Para quem gosta de: Low, Destroyer e Grizzly Bear

Ouça: It Is What It Is e Solstice

/ Por: Cleber Facchi 08/04/2021

Poucos artistas parecem entender tão bem o sofrimento e as relações humanos quanto Peter Silberman. Em um intervalo de quase duas décadas de carreira, o cantor e compositor norte-americano fez dos próprios sentimentos as base para uma seleção de obras capazes de dialogar com o que há de mais doloroso nas experiências vividas por qualquer indivíduo. Canções que passeiam por relacionamentos abusivos, depressão, morte e romances fracassados de forma sempre sensível e intimista, direcionamento explícito em alguns dos principais trabalhos produzidos pelo The Antlers, como o melancólico Hospice (2009), mas que ganham novo resultado com a chegada de Green To Gold (2021, Anti-), primeiro registro de inéditas lançado pela banda nova-iorquina em sete anos.

Sequência ao material entregue em Familiars (2014), o registro completo pela presença do baterista Michael Lerner, principal parceiro de composição de vocalista, traz de volta grande parte dos elementos que fizeram do grupo nova-iorquino um dos mais cultuados da última década. São canções regidas pela força dos sentimentos e evidente vulnerabilidade do eu lírico, cuidado que se reflete mesmo nos momentos de maior simplicidade da obra. É como a dupla fizesse das próprias inquietações um estímulo natural para a montagem de cada uma das faixas que abastecem o disco. Fragmentos que potencializam tudo aquilo foi apresentado há quatro anos, durante o lançamento do primeiro álbum de Silberman em carreira solo, o também delicado Impermanence (2017).

E isso se reflete com naturalidade logo nos primeiros minutos do trabalho, em Wheels Roll Home. Entre melodias atmosféricas e delicadas paisagens instrumentais, Silberman canta: “Não vá antes de sair / A cada segundo que temos, temos que fazer de conta / Que você vai voltar como se nunca tivesse saído“. São versos marcados pelo uso de narrativas cíclicas e instantes de doce melancolia que antecedem a ruptura de um casal. É como se o músico nova-iorquino cantasse sobre a inevitabilidade que corrompe toda e qualquer forma de relacionamento, conceito que tem sido explorado pelo compositor desde os primeiros registros no The Antlers, Uprooted (2006) e In the Attic of the Universe (2007), mas que ganhou maior destaque durante o amadurecimento explícito em Hospice.

Entretanto, longe de sufocar em meio a letras marcadas pelo forte caráter sentimental, marca dos antigos trabalhos, Silberman busca por novas possibilidades criativas e temáticas. Exemplo disso acontece na já conhecida It Is What It Is. Trata-se de uma análise política sobre o impacto do governo de Donald Trump e como o avanço do conservadorismo na última década poderia ter sido evitado, mas não foi. “A chamada poderia ter sido atendida / A parede teria sido questionada / A queda deveria ter sido evitada / Mas é o que é“, canta. A própria relação do músico com a passagem do tempo e as transformações naturais se mostram bastante evidentes ao longo da obra, conceito reforçado na faixa-título do álbum. “Uma brisa soprou e o outono chegou à cidade / Galhos nus, as folhas repousam no chão / Todo aquele verão trabalhou para brotar e florescer / Só para ser varrido por uma vassoura“, detalha.

Mesmo a relação de Silberman com o uso de temas contemplativos e sentimentais ganha novo tratamento ao longo da obra. São canções que passeiam em meio a versos descritivos, como em Solstice (“E o dia se estende até o fim do tempo / E acontece que você está perdendo luz / Podemos ver no escuro com nosso suspiro de pôr do Sol“), e letras existencialistas, caso de Just One Sec (“Você acha que poderia me libertar do homem que eu fui? / Você me vê agora, você me vê então?“), porém, de forma sempre subjetiva, reservando ao ouvinte a possibilidade de preencher as lacunas da obra. A própria base instrumental do disco contribui para esse resultado. São canções cada vez mais extensas, tratamento que preserva a essência atmosférica da banda e ainda se permite provar de diferentes abordagens, como os temas jazzísticos diluídos em Porchlight e na própria faixa-título do disco.

Tamanho esmero no processo de composição garante ao público um registro que exige tempo e significativa entrega até ser totalmente absorvido. Se por um lado essa vagarosa arrastada funciona como uma extensão natural dos antigos trabalhos da banda, por outro, talvez custe a impressionar o ouvinte que não tenha qualquer traço de afinidade ou conhecimento prévio do grupo. Porém, como indicado logo na introdutória Strawflower, com suas delicadas camadas instrumentais, Green to Gold é um exercício de imersão. Da construção dos arranjos ao uso minucioso das vozes, sempre complementares, cada fragmento do disco funciona como um elemento de passagem para a música seguinte, como uma extensa e delicada composição que exige ser desvendada por aqueles que decidem provar da melancolia de Silberman.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.