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Crítica

The Chicks

: "Gaslighter"

Ano: 2020

Selo: Columbia

Gênero: Country, Pop, Pop Rock

Para quem gosta de: Taylor Swift e Kacey Musgraves

Ouça: Gaslighter, March March e Tights On My Boat

9.0
9.0

The Chicks: “Gaslighter”

Ano: 2020

Selo: Columbia

Gênero: Country, Pop, Pop Rock

Para quem gosta de: Taylor Swift e Kacey Musgraves

Ouça: Gaslighter, March March e Tights On My Boat

/ Por: Cleber Facchi 20/07/2020

Quando entrou em estúdio para as gravações de Gaslighter (2020, Columbia), primeiro álbum de inéditas do Dixie Chicks desde Taking the Long Way (2006), Natalie Maines queria apenas cumprir o contrato com a gravadora, produzir um trabalho simples e ir para casa. Entretanto, estimulada pela série de conflitos pessoais e o turbulento processo judicial que culminou no acordo de divórcio com o ator Adrian Pasdar, com quem esteve casada durante 17 anos, a cantora e compositora norte-americana decidiu estreitar a relação com as parceiras de banda, Emily Strayer e Martie Maguire, e transportar para dentro de cada composição parte das angústias, medo e sentimento de libertação gerado durante esse período tão delicado.  

O resultado desse intenso processo criativo está na entrega do trabalho mais significativo do grupo, hoje rebatizado de The Chicks, desde o confessional Home (2002). São versos sempre regidos pela força dos sentimentos, vivências e instantes de doce melancolia, proposta que apresentou o trio texano no início dos anos 1990. Não por acaso, Maines inaugura o trabalho com a própria faixa-título do disco. Inspirada pelo conceito de gaslighting, termo usado para descrever a manipulação emocional projetada para que alguém duvide de suas próprias percepções, a cantora detalha o relacionamento abusivo com o ex-marido e a sensação de sufocamento vivida nos últimos anos. “Nos mudamos para a Califórnia e seguimos os seus sonhos / Eu acreditei nas promessas que você fez para mim / Mas você mente“, canta. São versos sempre detalhistas, fortes, estrutura que  se completa pelo uso de melodias ensolaradas, como um contraponto à sobriedade das letras.

É partindo dessa mesma estrutura que Maines e suas parceiras de banda orientam a experiência do público durante toda a execução da obra. São canções como Sleep at Night (“Como você dorme à noite? / Como você conta essas mentiras?“) e a divertidíssima Tights On My Boat (“Espero que você morra pacificamente enquanto dorme / Brincadeira, espero que doa como você me machucou“), em que a artista parte das próprias experiências e conflitos pessoais para dialogar com o ouvinte. Frações poéticas sempre consumidas pela dor e memórias de um passado ainda recente, porém, tratadas de forma bem-humorada, conceito que muito se assemelha ao trabalho de Taylor Swift, em Red (2012), e Kacey Musgraves, em Golden Hour (2018), ambas declaradamente inspiradas pela obra do trio texano. 

Entretanto, para além da fina composição dos versos, o que chama a atenção em Gaslighter é a busca do grupo por novas possibilidades e ritmos. Longe da morosidade e evidente conforto explícito em Taking the Long Way, o trio se permite avançar criativamente, fazendo do uso instrumental da voz, batidas e colagens eletrônicas um precioso componente de ruptura. Perfeita representação desse resultado ecoa com naturalidade em March March, sexta faixa do disco. Marcada pelo forte discurso político, a canção que discute mudanças climáticas, massacres nas escolas e o controle de armas de fogo, estabelece na lenta composição dos elementos e pequenas experimentações com o cancioneiro norte-americano um ponto de transformação dentro da discografia da banda. A própria My Best Friend’s Weddings, mesmo íntima de tudo aquilo que as artistas têm produzido desde o início da carreira, encontra no uso de ambientações sintéticas um importante elemento de mudança.  

Parte expressiva dessa ruptura estética vem da escolha da banda em colaborar com requisitado Jack Antonoff. Parceiro de nomes como Lorde, Carly Rae Jepsen e Lana Del Rey, o produtor estabelece um curioso ponto de equilíbrio entre a identidade sertaneja que tem sido explorado pelo grupo desde o início da carreira e o som incorporado por outros nomes do gênero na última década. A própria escolha de Maines em participar ativamente do processo de composição dos versos parece ter contribuído para o frescor dado ao disco. Diferente dos antigos trabalhos, sempre inclinados à interpretação de outros artistas, o trio segue dentro de um domínio autoral, estreitando a relação com nomes como St. Vincent, em Young Men, e Ariel Rechtshaid (Haim, Vampire Weekend), em For Her

Melancólico e libertador na mesma proporção, Gaslighter não apenas cumpre com naturalidade a função de reapresentar o som produzido pelo The Chicks, como se apresenta ao público como o trabalho mais sensível, coeso e musicalmente bem-sucedido em toda a discografia do trio norte-americano. Marcado pela força dos sentimentos e permanente busca de Maines por reparação, o álbum cresce como uma obra de linguagem universal. São canções que partem do que há de mais doloroso nas experiências detalhadas pela musicista texana, porém, sempre regidas pelo lirismo esperançoso dos versos, conceito que orienta de forma tocante a experiência do público até o último instante da obra. 


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.