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Críticas

Angel Bat Dawid

: "The Oracle"

Ano: 2019

Selo: International Anthem

Gênero: Jazz, Experimental, Soul

Para quem gosta de: Alice Coltrane e Julia Holter

Ouça: We Are Starzz e Capetown

8.0
8.0

Crítica: “The Oracle”, Angel Bat Dawid

Ano: 2019

Selo: International Anthem

Gênero: Jazz, Experimental, Soul

Para quem gosta de: Alice Coltrane e Julia Holter

Ouça: We Are Starzz e Capetown

/ Por: Cleber Facchi 19/02/2019

Mágico, assim é o trabalho da cantora, clarinetista, compositora e multi-instrumentista Angel Bat Dawid. Original da cidade de Chicago, em Illinois, onde vem se revezando em uma série de colaborações e encontros semanais com diferentes representantes do jazz estadunidense, a musicista de ascendência africana foi convidada pelo selo International Anthem a produzir o primeiro álbum de estúdio da carreira, The Oracle (2019). São oito composições geradas a partir do isolamento da artista em um estúdio caseiro, captações gravadas a partir de um celular ou mesmo diálogos com diferentes instrumentistas ao redor do globo.

Produto das experiência e evidente desejo de Dawid se reinventar a cada nova composição, o trabalho que conta com masterização do experiente David Allen acaba se dividindo em duas frentes específicas. Na primeira delas, detalhada logo nos primeiros minutos do disco, em Destination (Dr. Yusef Lateef), o completo refinamento melódico da jazzista e o evidente cuidado na construção dos arranjos. São camadas instrumentais, pianos e movimentos contidos que invariavelmente apontam para o som cósmico de nomes como Sun-Ra e demais representantes da década de 1970.

Em What Shall I Tell My Children Who Are Black (Dr. Margaret Burroughs), terceira faixa do disco, paisagens instrumentais que se espalham sem pressa, sempre delicadas. São pianos atmosféricos e vozes duplicadas que se dividem entre o pop de câmara dos anos 1970 e o jazz em sua forma mais pura, como um encontro entre Vashti Bunyan e Alice Coltrane. Um preparativo para o material que se articula de forma ainda mais sensível em We Are Starzz, composição que sutilmente dialoga com o soul orquestral de nomes como Nina Simone, referência exaltada na poesia racial que embala a canção. Movimentos cuidadosos que refletem o completo esmero de Dawid.

Interessante perceber no segundo bloco de canções uma propositada fuga desse mesmo universo criativo que embala o disco. Como indicado em Black Family, Dawid se entrega ao jogo de improvisos, uso incerto do próprio clarinete e pequenas variações rítmicas que apontam para diferentes campos da música. A própria voz da artista se transforma em um instrumento, conceito evidente na fragmentação detalhada na homônima faixa de encerramento do álbum. Nada que se compare ao material entregue pela clarinetista em Capetown.

Sétima composição do disco, a música gravada na Cidade do Cabo, como o próprio título indica, revela ao público um dos momentos de maior delírio (e invenção) no repertório da artista. Concebida em meio a ruídos e captações caseiras, a faixa se abre para a interferência direta do baterista Asher Simiso Gamedze, responsável pela insana colagem das batidas e fórmulas inexatas que garante ritmo à faixa. São pouco mais de 15 minutos em que a dupla brinca com as possibilidades, colidindo ideias e variações abstratas de forma sempre detalhista.

Com base nessa estrutura, Dawid entrega ao público uma obra conceitualmente diversa, ampla. Trata-se de uma delicada síntese criativa de tudo aquilo que a clarinetista norte-americana vem desenvolvendo nos últimos anos — seja em obras caseiras, colaborações ou performances ao vivo. Composições que apontam para diferentes campos da música, porém, preservando a identidade criativa da jazzista, estrutura que se reflete logo nos primeiros minutos da obra, em Destination (Dr. Yusef Lateef), e segue até a última nota do trabalho.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.