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Críticas

Nego Gallo

: "Veterano"

Ano: 2019

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Trap, Reggae

Para quem gosta de: Don L e Costa a Costa

Ouça: Downtown, DVD e Dois Cofres Uma Porta

8.3
8.3

Crítica: “Veterano”, Nego Gallo

Ano: 2019

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Trap, Reggae

Para quem gosta de: Don L e Costa a Costa

Ouça: Downtown, DVD e Dois Cofres Uma Porta

/ Por: Cleber Facchi 28/01/2019

Inaugurado em meio a fragmentos de You Set My Heart On Fire (1975), de Tina Charles, e versos declamados que passeiam por referências como Os Mutantes, Maria Bethânia e Gonzaguinha, Veterano (2019, Independente) diz a que veio logo nos primeiros minutos do interlúdio Venha em Chamas. São versos e batidas cadenciadas que se entrelaçam sem pressa, indicando o caminho assumido pelo rapper Nego Galo desde a boa fase no coletivo Costa a Costa. Um misto de reggae, rap, funk e trap que se articula de forma ainda mais precisa na segunda composição do disco, a política No Meu Nome. Trata-se de uma colaboração com o velho parceiro Don L e uma narrativa crua da violência policial, criminalidade e caos social que toma conta da periferia de Fortaleza, ponto de conexão entre as músicas do álbum.

Passada a rima sóbria de No Meu Nome, batidas quentes arremessam o ouvinte para dentro de O Bagui Virou. Uma clara reflexão sobre o trabalho do próprio Gallo e a importância da música como agente transformador na carreira do artista cearense – “Coisas nas ruas que fazem de você um homem / Grana, gramas, moças, armas, dramas, mortes / Quando eu canto, meus pecados somem“. Inserções contemplativas que encontram nas ruas, personagens e acontecimentos reais o principal componente criativo para o fortalecimento dos versos, direcionamento também explícito na faixa seguinte, Onde Há Fogo Há Fumaça – “A TV fala mal, tá dizendo nada / Gente de bem mora aqui / Eu cresci com esses caras“.

A mesma cidade viva ganha ainda mais destaque nos versos de Downtown. “Subi a favela, flor / Minha donzela tem trança nagô / Dançando é sensacional / Desci a favela, vou / É Deus quem zela / A fé à vera / Eu vim das vielas de Downtown“, rima em meio a paisagens descritivas que se abrem para o livre trânsito da musa inspiradora. Um romantismo agridoce, leve, estrutura que assume contornos melancólicos na faixa seguinte, Dois Cofres Uma Porta. “Ela saiu do meu mundo batendo a porta / Mandando à puta que o pariu eu e minha vida torta / Mas se ela saiu é sinal de que tem uma porta“, reflete em meio a entalhes minimalistas da base assinada pelo produtor Jonas de Lima (Coro Mc), grande responsável pela estrutura rítmica que serve de sustento à obra.

Com a chegada de DVD, um curioso exercício criativo. Enquanto as batidas lançadas por Coro MC arrastam o ouvinte para as pistas, nos versos, Gallo reforça a construção de um discurso esperançoso. “Aqui ninguém herdou nada / A luta foi o legado / Rico exaltado humilhou / Humilde eu vim vencer / O inimigo tem a força / Mas só Jesus o poder“, rima enquanto abre passagem para a provocativa Passado Presente, música que sintetiza a descrença do eu lírico em relação ao atual cenário político e social do país – “Mas sangue do pai, vários sangue bom / Drama barato não vende, pode falar, mundo cão / Maldade na mente, o Senado mente / A cena choca, o choro e a cena, o show não para“.

Guiado pelo aspecto da temporalidade e da interferência divina – “Meu Deus / Me deu a oportunidade do hoje, do agora / Num tem passado, num tem futuro / Só existe o agora” –, a curtinha Só Existe Agora abre passagem para a faixa de encerramento do disco, Acima De Nós Só o Justo. Completa pela interferência dos convidados Galf AC, DaGanja e Mc Mah, a faixa assume nítido distanciamento da atmosfera letárgica que banha o disco, ganhando forma nas batidas e versos fortes que orientam a experiência do ouvinte até o último instante da obra – “Pivete driblou os cone, os homi’ vê só o vulto / Descendemos de reis e acima de nós, irmão, só o Justo“.

Dividido entre instantes de maior contemplação, versos introspectivos e canções marcadas pela força das rimas, Veterano não apenas amplia parte do universo temático que vem sendo detalhado por Nego Gallo desde o trabalho no Costa a Costa, como apresenta o som produzido pelo rapper cearense a toda uma nova parcela de ouvintes. Trata-se de uma obra versátil, como um precioso exercício autoral que caminha por entre gêneros e diferentes variações rítmicas. Ideias que se entrelaçam sem ordem aparente, ainda que concisas, proposta que em nenhum momento interfere no explícito amadurecimento criativo do rapper, postura sutilmente exaltada logo no título da obra.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.