Digerindo Criptogramas

/ Por: Cleber Facchi 30/04/2011

Por: Cleber Facchi

Ambientes sombrios repletos de ruídos fomentados pela estranheza de guitarras instáveis, vocais que se dividem entre o fácil e o inteligível, batidas de bateria bizarras, climatizações claustrofóbicas que ganham formas em meio a historias hora nonsenses, hora confessionais, mas sempre repletas de sentimentos. No meio desse cenário de instabilidades emocionais e sonoras surgem quatro jovens, todos na casa dos 20 anos, assumindo suas posições como adultos, nos encaminhando em meio a sonorizações sombrias, mas estranhamente confortáveis, um grupo de jovens veteranos, recriando seus próprios pesadelos através de singelas composições. Bem vindos ao estranho mundo do Deerhunter.

Poderia (e é) a história de uma banda qualquer: um grupo de garotos, nesse caso Bradford Cox, Moses Archuleta, Dan Walton, Justin Bosworth e Collin Mee, que em meados de 2001 resolveu, assim como tantos adolescentes montarem uma banda. O resultado do encontro entre fãs do My Bloody Valentine, David Bowie, Brian Eno, The Fall, Nick Cave, The Breeders e diversos grupos obscuros do rock de garagem dos anos 70 e 80 só poderia ser um, o Deerhunter. Formada na cidade de Atlanta, no estado da Georgia, o quarteto teve em seus anos iniciais uma sequência de sons e testes até que a sonoridade do grupo, uma espécie de “ambient punk” fosse finalmente estabelecida.

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A boa repercussão do grupo através de suas apresentações garantiu a possibilidade de lançamento de um primeiro disco através do selo local Stickfigure Records. As gravações, que duraram apenas dois dias, deram origem ao que posteriormente se transformaria em Turn It Up Fagott (2005), o primeiro registro em estúdio do grupo. Entretanto, antes mesmo de ser lançado o álbum, a banda sofreria um pequeno baque: a perda precoce do baixista Bosworth, que faleceu após um fatídico acidente de skate. A perda do amigo, entretanto não impediu que a banda seguisse em frente, dessa vez trazendo Lockett Pundt, amigo de longa data de Cox para assumir a posição do antigo integrante.

Com o debut lançado, o grupo lentamente atrairia os olhares da crítica norte-americana, que a principio estava mais preocupada em dar destaque ao avanço de toda o revival post-punk e grupos como The Killers, Kaiser Chiefs e Bloc Party que naquele momento explodiam nos quatro cantos do planeta, porém, quem percebeu a funcionalidade excêntrica do grupo acabou presenteado com um dos melhores trabalhos daquele ano. O aspecto caseiro dado ao LP, e mesmo a timidez dos integrantes deixava transparecer toda a precocidade de seus compositores, embora ficasse mais do que claro, através de faixas como Adorno, Oceans e Young Layer o quanto o grupo se mostrava de forma inventiva em relação ao repetitivo cenário daquele momento.

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Se ao estrear, o Deerhunter já garantiria um seleto grupo de seguidores, além de bons elogios por parte da imprensa especializada, com o segundo disco a banda entraria de vez para o hall dos grandes artistas dos anos 2000. Ao contrário do trabalho de estreia, Cryptograms (2007) se mostrava como um lançamento muito mais audacioso e conceitual. A banda de adolescentes se convertia em um grupo de músicos maduros, onde a criação de composições repletas de experimentalismo apontavam os rumos futuros da banda.

Ao mesmo tempo em que as camadas de guitarras barulhentas, texturas cinzas e nuances esquizofrênicas aproximavam o Deerhunter cada vez mais da nomenclatura “ambient punk”, a inserção de alguns acordes mais fáceis deixavam a faceta “pop” da banda se manifestar, fazendo com que o trabalho atraísse os olhares tanto daqueles que estavam em busca de esquisitices musicais, como dos que caçavam algo dançante e acessível, feito o que estava em voga. Além de demonstrar a maturidade e o bom direcionamento da banda, Cryptograms dava pequenas provas da genialidade de Bradford Cox, tanto como letrista, como instrumentista, permitindo que a psicodelia (elemento que mais tarde tomaria conta da sonoridade do projeto) assumisse boa parte do recente trabalho.

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Com o segundo disco a banda conseguiu aquilo que merecia desde o primeiro disco: o destaque. As publicações norte americanas, principalmente a Pitchfork, classificaram o disco como um dos melhores daquele ano, dando ao grupo comodidade e a possibilidade de partir para uma gravadora maior, com melhores recursos, resultando, consequentemente em uma maior pressão para futuros trabalhos. A pressão, entretanto não prejudicaria a banda – agora transformada em um quarteto formado por Cox, Archuleta, Pundt e Josh Fauver – que viria com um trabalho em dose dupla logo na sequência.

Microcastle, este seria o único disco do quarteto lançado em 2008, entretanto, um atraso da gravadora no lançamento do trabalho fez com que a banda voltasse ao estúdio na tentativa de gravar um novo disco no pensamento de presentear os fãs e se redimir pelo atraso. Porém, o segundo material (denominado Weird Era Continued) acabou vazando antes do prazo de lançamento, pouco tempo após a atrasada estreia do terceiro álbum, fazendo com que os seguidores do Deerhunter fossem presenteados com uma carga estrondosa de novidades. O resultado acabou convertido em um disco duplo, através de uma sequência de trabalhos que se complementam.

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Enquanto Microcastle permite que a banda entregue seu som de forma mais pop e pegajosa, sem se desvincular das boas doses de guitarras, através de clássicos imediatos como Agoraphobia, Never Stops e Nothing Ever Happened, o segundo disco traz de volta as mesmas experimentações e embarques psicodélicos de Cryptograms, tendo através de faixas como Backspace Century, Vox Celeste e a épica Cavalary Scars II os melhores exemplares da excentricidade do quarteto. Não apenas por seu gigantesco conjunto de faixas (são 25 no total), mas pela qualidade tanto poética, quanto instrumental, dariam a Microcastle/Weird Era Continued o título de melhor disco da banda, porém, a fórmula da criatividade ainda não estava gasta.

A excessiva sequência de trabalhos, porém, traria alguns desgastes ao grupo, que teve em um pequeno hiato a possibilidade de se reinventar, além de proporcionar a alguns dos integrantes tempo para que fossem gerenciados seus trabalhos paralelos. Bradford Cox deu vida ao bem sucedido Atlas Sound, que entre 2008 e 2009 lançou dois ótimos discos, respectivamente Let the Blind Lead Those Who Can See but Cannot Feel e Logos, ambos trabalhos que elevaram o já conceituado status de Cox dentro do cenário alternativo. Quem também aproveitou as férias para investir em trabalho foi Lockett Pundt, que sozinho deu vida ao Lotus Plaza, que teve The Floodlight Collective (2009) seu único lançamento.

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Passadas as merecidas “férias”, o quarteto foi ao encontro do produtor Ben Allen – responsável pela produção da obra prima Merriweather Post Pavilion, do Animal Collective – para que este guiasse o quarteto na empreitada do quarto disco (quinto se observarmos o trabalho anterior de forma fracionada). Da convergência de inúmeras influências, tanto do produtor, quanto da banda, resultariam no conceitual Halcyon Digest (2010), da capa às faixas, o disco mais excêntrico, porém brilhante do Deerhunter.

A busca por sonoridades experimentais, sujas e psicodélicas de outrora se convertem de maneira inovadora dentro do novo álbum, fazendo com que a banda surja de maneira renovada, quase como um novo grupo. O shoegaze se converte em Dream Pop, as guitarras rebuscadas se derretem, e os vocais de Cox se transformam em instrumentos, com a banda toda partindo em busca de novas melodias, texturas puramente ambientais e climatizações menos agressivas do que as propostas anteriormente. Toda essa somatória de sons resultam de maneira satisfatória em um conjunto de 10 faixas, onde a banda brinca com o pop, o jazz, a música ambiente, o shoegaze e o punk de maneira experiente e conhecedora. Da melancolia incontida em Earthquake, com a instrumentação e os vocais entregues de maneira quase liquefeita, passando pela construção radiofônica de Memory Boy, o romantismo em Helicopter, ao inovador naipe de metais em Coronado, tudo soa perfumado pela novidade em Halcyon Digest.

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A velha história do grupo de jovens que resolveu se juntar e montar uma banda deu mais do que certo ao Deerhunter. E para quem acha que todos os experimentalismos, sons obscuros e aventuras instrumentais da banda se esgotaram depois do quarto álbum, apenas um lembrete, que o mesmo foi dito desde o segundo disco, com o grupo seguindo em meio a constantes renovações. Se a bem sucedida fórmula da banda um dia terá fim, isso é algo para se pensar posteriormente, por enquanto o quarteto vai muito bem, obrigado.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.