Disco: “A Coragem da Luz”, Rashid

/ Por: Cleber Facchi 28/03/2016

Rashid
Nacional/Hip-Hop/Rap
http://rashid.com.br/

 

“Você já teve um sonho?”, pergunta Rashid logo nos minutos iniciais de A Coragem da Luz (2016, Independente). Obra de realizações, o primeiro álbum em estúdio do rapper paulistano indica uma completa transformação do artista em relação ao material produzido para as últimas três mixtapes – Dádiva e Dívida (2011), Que Assim Seja (2012) e Confundindo Sábios (2013). Rimas que discutem preconceito, cobiça, os excessos dentro das redes sociais e a convivência em uma sociedade cada vez mais caótica, raivosa, porém, alimentada por instantes breves de esperança.

O que fizemos aos senhores / Além de nascer com essa cor? / E de sorrir lindamente, diante / De nossa amiga dor?”. Tendo como ponto de partida a provocativa A Cena, composição entregue ao público em novembro do último ano, o trabalho de 15 faixas amarra passado e presente em uma estrutura que vai da escravidão (DNA) à horda de zumbis digitais (Laranja Mecânica). Conceitos anteriormente explorados por Criolo em Convoque Seu Buda (2014) e Emicida em O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), mas que encontram novo enquadramento nas rimas e referências lançadas por Rashid.

Breaking Bad, Pulp Fiction, Laranja Mecânica, Nausicaä do Vale do Vento, Angústia de Graciliano Ramos, citações ao falecido humorista Jorge Lafond e 1984 de George Orwell. Bastam os primeiros minutos de A Coragem da Luz para perceber o imenso catálogo de ideias, personagens e obras que preenchem as lacunas líricas do trabalho. Uma clara extensão do material apresentado há três anos, dentro da mixtape Confundindo Sábios, porém, agora completo com uma nova seleção de versos, sempre provocativos – “Seu elitismo é toxina / Com cinco reais ‘cê’ compra crack, já um livro é de 30 pra cima”.  

A mesma fluidez versátil que sustenta as rimas ecoa com naturalidade na manipulação dos arranjos e bases que abastecem o disco. De um lado, faixas como A Cena, Reis e Rainhas, Como Estamos e Cê Já Teve um Sonho, representantes do mesmo jazz/soul que serviu de base para o último álbum de Kendrick Lamar, To Pimp a Butterfly (2015). No outro oposto, o samba com pitadas de funk, estímulo para o nascimento de faixas aos moldes de DNA, Homem do Mundo e Groove do Violão. Sobram pontes para o rock, vide Futuro / No Meio do Caminho, além de passagens rápidas pelo R&B, base da autobiográfica Segunda-Feira.

No time de colaboradores, nomes como Criolo, em Homem do Mundo, Alexandre Carlo na romântica Depois da Tempestade e Mano Brown, junto de Max de Castro, um dos pilares na faixa Ruaterapia. Nada que se compare ao trabalho de Izzy Gordon no interior de A Cena e, principalmente, Xênia França, responsável pelo canto sóbrio que invade Laranja Mecânica. Enquanto a primeira cria um apoio melódico para as rimas alavancadas por Rashid, expandindo delicadamente o mesmo debate racial dos versos, França, acompanhada de uma base atmosférica, como o som de inicialização de um computador, questiona: “O que fizeram contigo e aquilo que chamaste de coração? / Que formato de arquivo é preciso ter pra voltar a ser teu irmão? / Antes do mar secar, tu secou / Antes do mundo, o amor acabou”. Uma evidente crítica ao comportamento robótico e frieza de boa parte dos usuários nas redes socais. “Vazio como um pen drive novo e a causa vã / De mostrar como sua vida é boa no Instagram / Trincheira onde os racista e homofóbicos / Acumulam like pro seu ódio burro ideológico”, completa o rapper.

Instigante e atento em cada rima, A Coragem da Luz reflete a necessidade de Rashid em provar de novos temas, sonoridades, sempre acompanhado por diferentes colaboradores, porém, mantendo firme a essência musical conquistada nos primeiros trabalhos. Um retrato atual, perturbador e sufocante, do mesmo universo explorado pelo rapper desde a estreia com Dádiva e Dívida, em 2011.

 

A Coragem da Luz (2016, Independente)

Nota: 8.8
Para quem gosta de: Emicida, Criolo e Kamau
Ouça: A Cena, Laranja Mecânica e Homem do Mundo

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.