Disco: “A/B”, Vitor Araújo

/ Por: Cleber Facchi 28/09/2012

Vitor Araújo
Brazilian/Experimental/Instrumental
http://www.vitoraraujo.com.br/

Vitor Araújo é uma presença curiosa e quase contraditória na recente fase de artistas que definem a cena instrumental brasileira. Solitário, o músico recifense começou a chamar as atenções antes mesmo de alcançar a maioridade, resultado óbvio de suas ações em se aventurar continuamente pelas vias mais experimentais da música erudita. Entregue ao improviso e se apresentando quase sempre com um par de All Star surrado nos pés, o prodígio não demorou a atrair os olhares famintos da mídia, os ouvidos do público e a atenção de incontáveis curiosos. Figuras que encontraram no caminho não linear apresentado pelo compositor um acabamento pouco convencional ao que ecoa em sua terra natal – musicalmente lembrada pelo colorido do Mangue Beat e do Frevo – ou mesmo dos clichês que bem caracterizam o panorama indie que se estabeleceu na última década.

Ainda preso aos mesmos inventos que lhe trouxeram destaque e atenção há alguns anos, Araújo rompe a camada nítida de timidez que o acompanhava para entregar aquele que de fato deve ser encarado como o primeiro registro de sua ascendente carreira. Sutilmente apresentado como A/B (2012, Independente), o trabalho de oito volumosas composições arrasta o músico (e o público) para um resultado diferente do que parecia definido no decorrer do álbum TOC (2008), registro ao vivo que serviu como espécie de apresentação do trabalho do músico. Agora livre das obsessões e possíveis transtornos que pudessem impedir o crescimento de sua obra, Victor transforma o presente disco em um trabalho de rumos nunca óbvios, mesmo aos mais habituados ouvintes.

Dividido em duas partes bem definidas – como o título do trabalho logo aponta, “A” e “B” -, o álbum traz em seus minutos iniciais a manifestação solitária e os anseios melancólicos do jovem pianista. Para a primeira parte do registro, Araújo entrega um composto de quatro atos grandiosos inspirados em peças clássicas do gênero – todos coerentemente denominados Solidão. Com vozes ecoando ao fundo das faixas e uma intensa relação com o uso de arranjos de cordas sufocantes, o músico propicia um resultado que muito se assemelha aos inventos solo de Jonny Greenwood (Radiohead). Por diversas vezes o pernambucano parece esbarrar (intencionalmente) no mesmo acabamento lamurioso que estrutura a magistral trilha de There Will Be Blood (2007), resultado nitidamente observado no toque sombrio que passeia pela construção da faixa Solidão nº3.

Como se fosse um preparativo para o que vamos encontrar na segunda metade do álbum, ao caminhar pelo “Lado A” do trabalho Araújo revela toda sua aproximação com a música erudita convencional, embarcando o espectador em um universo intencionalmente mais lento e que parece fluir dentro de uma medida de tempo particular. À medida que atravessamos o lado “sombrio” da obra, uma nova soma de instrumentos vai se aconchegando no interior das canções, acréscimo que inicia com os metais em Solidão nº3 e finaliza com a coesa inclusão de vozes atmosféricas em Solidão nº4, música que em alguma medida soa como uma resposta menos experimental do que Julianna Barwick conduz em The Magic Place (2011).

Dos pequenos e necessários acréscimos que surgem ao longo das iniciais canções, o pianista recolhe subsídios para o que será apresentado na metade seguinte da obra. Espécie de reviravolta criativa e instrumental, a chegada de Baião no “Lado B” do trabalho marca toda a transformação da obra, que se afasta da melancolia inicial, do clássico e da agonia para cair em uma infinidade de rumos e caminhos distintos que se alteram a todo o instante. Da música brasileira reconfigurada na já citada faixa de “abertura” ao rock sufocante que imerge na faixa Pulp (com a sonoridade emprestada do grupo Macaco Bong), o segundo bloco do registro tira Araújo da solidão inicial, tornando clara a influência exercida por artistas como Mombojó, China, A Banda de Joseph Tourton e outros conterrâneos do pianista.

Mesmo que insistam em arrastar o músico para o acinzentado corpo de instrumentistas membros da famigerada “Música Clássica”, há na obra do jovem compositor uma infinidade de referências que o distanciam desse aspecto “padrão”. Fanático pela filmografia de Robert Rodriguez, David Fincher e Cláudio Assis, além dos textos de Bukowski, o pernambucano amarra cada uma dessas individuais (e necessárias) experiências de forma particular no decorrer da obra. Logo, não há como definir o trabalho do instrumentista se não como um tratado de puro apelo comercial e melodias que falam com o grande público de forma própria. Longe das redundâncias dos gêneros, Vitor Araújo é um nítido executor e amante da música pop, ainda que tenha encontrado meios não convencionais para representar isso.

A/B (2012, Independente)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Jonny Greenwood, A Banda de Joseph Tourton e Macaco Bong
Ouça: Solidão nº3, Solidão nº4 e Baião

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.