Disco: “Abraço EP”, Beto Mejía

/ Por: Cleber Facchi 05/10/2012

Beto Mejía
Brazilian/Alternative/Indie
http://betomejia.com.br/

Por: Sylvia Tamie

“… há esse outro enlace que é o abraço imóvel: estamos encantados, enfeitiçados: estamos no sono, sem dormir; estamos na volúpia infantil do adormecer: é o momento das histórias contadas, o momento da voz que vem me imobilizar, me siderar, é a volta à mãe. Nesse incesto reconduzido, tudo é então suspenso: o tempo, a lei, a proibição: nada cansa, nada se quer: todos os desejos são abolidos, porque parecem definitivamente transbordantes.”

(Verbete “Abraço”, em Fragmentos do Discurso Amoroso, de Roland Barthes)

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O lançamento do trabalho solo de qualquer integrante de banda conhecida sempre gera uma expectativa justificada. De que maneira se distinguem o trabalho do grupo e a criação individual, ainda mais em uma banda que segue o modelo do Móveis Coloniais de Acaju, em que todas as composições são coletivas? O EP Abraço, do flautista Beto Mejía pode decepcionar os seguidores mais fanáticos que esperavam apenas um apaziguamento na espera do próximo álbum da banda, previsto para março de 2013. Não se ouvem instrumentos de sopro e as letras diretas, tão distantes dos malabarismos verbais do Móveis, tudo se restringe a um universo particular, circunscrito à intimidade sugerida pelo título.

Em uma primeira impressão, estamos diante de uma textura sonora completamente diferente, dominada pelos sons mais graves do piano na faixa de introdução, a que camadas de sons se sobrepõem sem pressa alguma e abrem para as faixas não instrumentais. De manhã cedinho até Soneca, passando por Vermelho, o que se tem é um conjunto coeso de canções que acompanham o decorrer de um dia passado entre pessoas queridas. Ao contrário da tristeza cínica dos moderninhos, em que se tornou moda envenenar as pequenas sensações do dia-a-dia como negação de alguma angústia latente, ouve-se aqui uma celebração de uma felicidade solar em tons sóbrios e maduros e em palavras francas, que às vezes soam até banais – como os diminutivos em Téo ou a discussão sobre o horário de cinema em Simples.

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O momento de ambiguidade fica por conta da última e de longe melhor faixa do disco, Soneca. De um lado ela recupera a sonoridade da faixa introdutória (que merecia um título melhor do que o singelo Intro tamanha a beleza da composição), amarrando o disco com sua combinação de guitarras e sintetizadores que ecoam a linha melódica principal. De outro, sua letra é menos literal do que as anteriores e cantada em um tom baixo, meio coberto pelos instrumentos, quase não se percebe a sombra lançada no dia de perfeição, um momento de separação em que “Choro até me desmanchar/ e desaparecer”. Ainda que a conclusão recupere o equilíbrio e justifique o título – tudo se resolve num abraço –, fica evidente que não se trata de uma composição ingênua.

Em um trabalho muito pessoal – o músico toca quase todos os instrumentos – Beto Mejía parece beber em fontes da MPB esquecidas (salvo engano) pela geração atual, mais exatamente em compositores do final dos anos 70 e início dos 80 como Milton Nascimento e outros representantes da mesma música mineira, caracterizados pelo lirismo das letras sobre melodias densas e sem fazer alarde de nenhuma das duas coisas. Mas, sem o apelo radiofônico de que aquela geração usufruiu, Abraço foi feito para ser ouvido como se lê um livro de poemas, com calma e privacidade. Nesse sentido, o EP não lembra nada do que tem se feito na MPB atualmente, que se voltou para uma tradição um pouco anterior.

Há apenas sete faixas curtas, como se o músico não tivesse certeza de ter fôlego para um disco inteiro. Com o pretexto de aproveitar composições que não se encaixavam no projeto do Móveis, Beto acabou construindo uma outra identidade musical que, se lembra a de sua banda em alguma coisa, é pelo cuidado com o acabamento das músicas. No início da resenha se lê a definição de “Abraço” em Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes. Sua música persegue bem essa sensação de síntese do afeto, momento de plenitude que basta em si mesmo e ao mesmo tempo é resultado de uma longa dedicação.

Abraço EP (2012, Independente)

Nota: 7.9
Para quem gosta de: Clube da Esquina, Transmissor e Constantina
Ouça: Soneca

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.