Disco: “Afogado”, Nvblado

/ Por: Cleber Facchi 23/10/2013

Nvblado
Brazilian/Post-Rock/Experimental
http://nvblado.bandcamp.com/

Por: Cleber Facchi

Nvblado

Quem há um ano se encantou pelas melodias artesanais de Cansei De Cantar Pra Você, álbum que apresentou oficialmente o trabalho da dupla Búfalo, talvez fosse incapaz de prever que Renan Pamplona e Felipe Mattos pudessem produzir um registro tão antagônico. Seja pela presença de Felipe Underlost e Marcel Machado, ou pela necessidade da dupla  em se libertar do ambiente brando exposto por todo o registro, mas o fato é que ao pisar em Afogado (2013, Independente), estreia do coletivo catarinense Nvblado, tudo parece fluir em um jogo de experiências sombrias e intencionalmente angustiantes.

Ora atento aos detalhes climáticos do Pós-Rock, ora íntimo do desespero que impulsiona a estética Screamo desde idos dos anos 1990, o registro de seis amargas composições parece brincar com o que há de mais sombrio no interior de cada indivíduo. São faixas que discorrem sobre o amor – e principalmente a falta dele -, enclausuram o personagem principal em um ambiente de visível abandono, sufocando de forma melancólica o espectador sem que ele necessariamente se dê conta disso. Das guitarras aos versos, medo e solidão dançam em um exercício penoso – tanto para o ouvinte, como para a própria banda.

Dói, isso dói, como o carinho de suas mãos geladas/ Isso me destrói/ Estou reduzido ao nada”. Os versos de de Angústia, segundo canção do álbum e primeiro instante lírico da obra representa de forma macambúzia tudo o que conduz o trabalho do quarteto. São quase 40 minutos em que o desespero típico de estar sozinho é assumido sem frustrações. Uma representação poética muito próxima daquilo que Jair Naves testou na última década com a extinta Ludovic. De fato, a relação com o falecido grupo paulistano se faz constante durante toda a obra, como se diversos aspectos deixados para trás nos clássicos Servil (2004) e Idioma Morto (2006) fossem resgatados sem necessariamente privar os catarinenses de um resultado autêntico.

Dramático em essência, Afogado é uma obra que encontra na honestidade dos versos um princípio para se aproximar em totalidade do ouvinte. Longe de fluir como um típico exemplar de estúdio assinado por um coletivo de adolescentes, o registro manifesta na vida adulta o princípio para a solução de versos soturnos que se espalham a passos lentos. Basta se deixar guiar pelos temas de Avalanche II (“Mas tudo que eu queria ao seu lado, era só me sentir mais vivo”) ou o isolamento de Artemisia (“Os últimos dias estão sendo violentos e eu estou me perdendo”) para perceber a profundidade dos temas cravados em meio aos berros do vocalista. Cada instante parece explodir como um grito desesperado que se acumula no interior do indivíduo.

Se existe presença na composição final que orienta as líricas do álbum, parte expressiva disso vem do instrumental atento que se expande cuidadosamente por todo o disco. Desenvolvido em meio a pequenos (Morada) e extensos (Arpoador) arcos instrumentais, Afogado é uma obra que mantém na relação com o rock alternativo dos anos 1990 uma base ativa e volátil. Das guitarras trabalhadas em densos blocos de ruídos, típicos da obra do Mogwai, ao reforço suave que se divide entre bandas como Slint e Mineral, o jogo de texturas atmosféricas parece ser a principal rede para mandar o ouvinte aprisionado no interior do disco. Sobram travessias pelo Post-Metal (de grupos recentes, como Deafheaven) e pequenos experimentos que mais parecem uma representação sonora da mesma esquizofrenia poética que dirige o registro.

Trabalhado em um senso de proximidade nítida, versos e instrumentos costuram com pesar as vestes negras que cobrem o álbum em totalidade. Ainda que o título reforce a sensação presente de sufocamento – algo comprovado no uso dos temas e sons -, Afogado, acaba involuntariamente assumindo um resultado oposto, como um ponto de libertação para o ouvinte ou quem sabe a chance de respirar livremente depois de meses soterrado pelo desespero. Por vezes oculto pelo peso da “maturidade”, o sofrimento ainda é parte natural de qualquer indivíduo, e poucas obras assumem isso com tamanha beleza (e dor) quanto a estreia do quarteto Nvblado.

Nvblado

Afogado (2013, Independente)

Nota: 8.6
Para quem gosta de: Herod, Ludovic e Sobre A Máquina
Ouça: Arpoador, Angústia e Avalanche Pt. II

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.