Disco: “Ainda Bem Que Segui As Batidas do Meu Coração”, Rael

/ Por: Cleber Facchi 26/03/2013

Rael
Brazilian/Hip-Hop/Rap
http://www.raeloficial.com/

 

Por: Cleber Facchi

Rael

Antes mesmo de Criolo lidar com a multiplicidade de ritmos que hoje marcam o clássico imediato Nó Na Orelha (2011), o paulistano Rael (ex-Rael da Rima) já lidava com a mesma variedade de sons de forma tão ou mais assertiva quanto o conterrâneo. Dono de um dos grandes (e ainda desconhecidos) exemplares do rap nacional da presente década, MP3 – Música Popular do 3° Mundo (2010), o rapper parece finalmente concluir o que deu início há três anos, transformando o recém-lançado Ainda Bem Que Segui As Batidas do Meu Coração (2013, Laboratório Fantasma) em uma continuação inteligente, concisa e ainda assim dançante de tudo o que conquistou com o primeiro registro em carreira solo.

Próximo da mesma variedade de referências, gêneros e sons que guiaram suas composições há três anos, o paulistano (também integrante do coletivo de rap Pentágono) deixa as batidas (típicas do gênero) de lado para se concentrar em uma variedade maior de ritmos. Acompanhado com atenção pela dupla de produtores norte-americanos Beatnick & K-Salaam – também responsáveis pela produção do excelente Doozicabraba e a Revolução Silenciosa EP (2011), de Emicida -, o rapper mantém firme a conexão com a periferia, porém, estendendo a proposta conceitual do álbum para além do cenário por vezes acinzentado que define o estilo. Inventivo, o registro assume cor, ritmo e forma aos sons críticos que o rap proclama no decorrer da obra, estabelecendo um resultado que talvez contradiga a proposta original do gênero, mas que se mantém necessário para a renovação do mesmo.

Talvez aos habituados com o trabalho de nomes recentes do Hip-Hop nacional, como Rashid, Projota ou mesmo à coleção de clássicos assinados pelos Racionais MC’s, o novo álbum de Rael seja capaz de “assustar” em uma primeira audição. Trata-se de um registro muito mais próximo da MPB e do canto, do que do Rap e das rimas firmes em si. Uma continuação melódica e naturalmente bem resolvida daquilo que o artista testou em 2010 e prossegue intencionalmente de forma madura com o novo álbum. Tão logo o registro abre as portas com a melódica Ainda Bem, Rael e a dupla de produtores acomodam uma seleção de versos cuidadosamente esculpidos de forma a dialogar com os sons, transformando o disco em um projeto movido muito mais pelo ritmo, do que pelas ideias.

Entretanto, negar a profundidade crítica que orienta o disco seria simplesmente um erro. Ao mesmo tempo em que se entrega à dança e até lida com referências que beiram o comercial – vide a acústica pop de Semana ou a MPB adulta de Coração (parceria com Mariana Aydar) -, Rael mantém firme a crítica social e as palavras de superação que sustentam todo o disco. Seja tratando de política no samba (quase pagode) Oya, ou discutindo as distintas classes sociais no rap melódico Diferenças, o rapper parece alcançar o uma medida curiosa e de separação em relação ao que outros artistas desenvolvem. É como se ao apostar em um som “popular”, o hoje cantor fosse capaz de passar a mensagem do álbum de maneira até mais eficiente do que as rimas por vezes agressivas de outros artistas conterrâneos.  

Desprovido do mesmo jogo de palavras por vezes pretensiosas que circulam pela obra de Criolo, Rael talvez tenha conquistado o registro mais próximo do grande público que qualquer outro artista da atual fase do rap nacional tenha produzido. Não se trata de um álbum voltado exclusivamente para as periferias, mas à todos os públicos em um discurso marcado pela temática universal das palavras. É como se o rapper invadisse as melodias testadas por Terra Preta nos versos de Homem Figa Vol.1 (2012), mergulhasse na acidez de Emicida, até imergir nos ritmos típicos da música nacional. Uma pluralidade de referências que cedo ou tarde conseguem alcançar até o mais distante ouvinte.

Mesmo que falta ao álbum um toque claro de ineditismo – o próprio rapper já havia percorrido diversas marcas testadas pela obra no trabalho anterior ou mesmo em colaborações com outros artistas -, o caráter melódico e a variedade instrumental de Ainda Bem Que Segui As Batidas do Meu Coração conseguem dar a volta e impressionar o ouvinte. Recheado por uma seleção de faixas grudentas e capazes de atender as mais variadas demandas de ouvintes, Rael parece pronto para brilhar com destaque, seja dançante bem humorado pelo grande público, ou se mantendo íntimo das periferias.

 Rael

Ainda Bem Que Segui As Batidas do Meu Coração (2013, Laboratório Fantasma)


Nota: 7.9
Para quem gosta de: Criolo, Terra Preta e Emicida
Ouça: Ainda Bem, Causa e Efeito e Coração

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.