Disco: “Alice Caymmi”, Alice Caymmi

/ Por: Cleber Facchi 06/11/2012

Alice Caymmi
Brazilian/Experimental/Female Vocalists
http://flavors.me/alicecaymmi

Por: Cleber Facchi

Em mais de cinquenta anos de carreira, o mar sempre foi a grande inspiração de Dorival Caymmi. Não diferente é o recente trabalho que marca a estreia da neta, Alice, também herdeira das mesmas referências marítimas e versos úmidos que tanto definem a obra do compositor baiano. Contrário ao que poderia parecer, a íntima relação com a larga produção alcançada durante a vida do músico de Salvador, Bahia – bem como da irmã Nana Caymmi – está longe de se revelar como a principal base da recente carreira da jovem de 22 anos. A fruta pode não cair longe do pé, como já define o desgastado ditado, mas a água que bebe Alice e as referências que a alimentam são outras. Logo, temos um resultado bem menos óbvio, original e totalmente distante da herança familiar que tanto acompanha e pese no sobrenome que a cantora carrega.

Se a herança de sangue a aproxima de tudo o que fora deixado pelo avô ou mesmo o próprio pai – o também músico Danilo Caymmi -, em se tratando da sonoridade que banha o primeiro álbum de Alice, a relação e a busca por referências vem de além-mar. Também circundada pela água salgada do ocenao, a islandesa Björk tem em cada canto do homônimo primeiro álbum de Alice uma infinidade de pequenos cruzamentos, resultado nítido não somente nos vocais quebrados (e por vezes irritantes) da cantora, mas muito pela instrumentação ilógica que passeia peculiar ao longo de todo o disco. Confessa apaixonada pela autora de obras icônicas da música pop-experimental, como Post, Homogenic e Medulla, a carioca encontra em grande parte da carreira da parente distante uma arquitetura particular para o próprio trabalho.

Dos vocais agridoces, passando pela instrumentação ilógica que define boa parte da ordem do trabalho, até chegar nos pequenos sobrepostos eletrônicos que se espalham lentamente, com o primeiro disco Alice não apenas encontra reforços na obra de Björk, como converte referências totalmente particulares em um resultado de conceitos íntimos e pequenos acertos compreendidos apenas por ela. É como se a carioca varresse boa parte do que fora construído por grandes vozes do recente cenário feminino, ocupando um espaço singular e que talvez se situe entre a esquizofrenia desconcertante de Karina Buhr e a doçura pop de Tulipa Ruiz – principalmente do álbum Tudo Tanto.

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Sempre dentro do azulado oceano de referências que se expandem dentro do disco, da primeira à última canção a relação com o mar não se limita apenas ao título óbvio das faixas, se refletindo principalmente na instrumentação que banha a obra. Exemplo claro desse resultado está na forma como vozes e instrumentos se desfazem liquefeitos em músicas como Revés ou na atmosférica Sargaço Mar (composição assinada pelo próprio avô). Se movimentando em uma medida particular de tempo, ambas as canções passeiam por um composto suavizado, nada mecânico e longe da percussão pontual que lentamente se manifesta pelo álbum. A própria regravação de Unravel – originalmente encontrada no disco Homogenic, de Björk -, parece partilhar do mesmo resultado. A faixa se dissipa em ondas melancólicas de pianos e temperos eletrônicos, intensificando de forma curiosa um dos elementos mais marcantes e difíceis do disco: a voz semi-andrógina de Alice.

Como os vocais de Caymmi já apontam – uma versão contrastada e “masculina” de Antony Hegarty -, tão logo o registro inicia somos apresentados a um algomerado angustiante de composições, como se o mar, elemento tão íntimo da carreira (e da família da cantora) estivesse a ponto de sufocá-la. “A dor de quem parte/ É a dor de quem já partiu/ A dor de quem fica/ Rompante por um fio ” mergulha Alice nos versos de Rompante, canção posicionada na segunda metade do álbum e um ponto de maior transformação dentro da obra, que se aconchega ainda mais em um conjunto de dores e desajustes totalmente pessoais, mas que acabam partilhados. A proposta só é evitada durante a execução do afoxé Tudo o que for Leve, provavelmente a criação mais distinta de todo o disco, bem como o momento de maior aproximação da cantora com a MPB tradicional.

Tal qual o mar, firmar-se de maneira consciente e reta em uma inicial audição do trabalho talvez seja difícil, tamanha a variedade de percursos bem como balanceios que o disco projeta em cada nova faixa. Ao mesmo tempo em que consegue finalizar um trabalho hermético e dono de um som que amarra cada composição em um propósito igual – fruto da escolha acertada de músicos de peso ao longo do álbum -, Alice projeta em cada um música um rumo isolado, cabendo apenas à ela decidir o que deve ou não caracterizar os próximos trabalhos. Por enquanto, mesmo sem saber do futuro, Caymmi navega segura, sem medo do que deve encontrar pela frente.

Alice Caymmi (2012, Kuarup/Sony Music)

Nota: 8.4
Para quem gosta de: Björk, Gal Costa e Nina Becker
Ouça: Água Marinha, Sargaço Mar e Arco da Aliança

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.