Disco: “All Hell”, Daughn Gibson

/ Por: Cleber Facchi 02/05/2012

Daughn Gibson
Lo-Fi/Experimental/Singer-Songwriter
http://daughngibson.com/

Por: Cleber Facchi

Daughn

Daughn Gibson parece ter tudo que um ícone da música country precisa para atingir uma carreira de sucesso. Como se não bastassem os vocais impecáveis – em tom grave e suave na mesma medida -, as letras entregues pelo norte-americano de Carlisle, Pennsylvania parecem pintar um cenário doloroso, constantemente melancólico e assumidamente pessoal. Logo, o título dado ao primeiro registro solo do artista, All Hell, algo como “Todo o Inferno” , soa de maneira consistente. Uma mínima fração do universo de composições amarguradas e sentimentos sinceros que o cantor revela no interior da obra, um fino retrato do Country Alternativo que ecoa em solo estadunidense, mas que nas mãos do músico ganha um novo e inusitado enquadramento.

Talvez aos puristas o encaixe de batidas eletrônicas e ruídos sintetizados distorçam completamente a lógica de um trabalho do gênero, porém, distanciar Gibson daquilo que Cass McCombs, Bill Callahan e tantos outros representantes da atual safra do cancioneiro norte-americano seria um erro de proporções incalculáveis. As batidas arrastadas, as guitarras manhosas repletas de efeito em slide e principalmente os versos propostos pelo cantor, tudo no interior do disco ecoa como parte de uma produção honesta, parte autêntica da música que há décadas movimenta um cenário particular e por vezes redundante, algo que o músico busca o tempo todo se desvencilhar.

Mesmo que as influências capazes de orientar o trabalho do músico estejam claramente voltadas ao panorama country de diferentes décadas e gerações, não há como contestar o quanto as experiências musicais do recente período parecem ocupar os espaços ou mínimas rachaduras do registro. Das aproximações com o R&B moderno de James Blake, passando pelo misticismo Lo-Fi de Youth Lagoon até o toque erótico de Nicolas Jaar, cada pequena parcela do inferno pessoal de Gibson é musicada com uma dose de presente, referências que afastam o músico de um tratado básico e presenteiam o ouvinte com uma carga instigante de inovação.

[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=pWlYnd02mj4?rol=0]

[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=TFevvzP_VQA?rol=0]

Por mais que a faixa de abertura, Bad Guys, até seja capaz de ludibriar o ouvinte, fazendo com que All Hell soe como um convencional registro de música country, logo na abertura da canção seguinte, In the Beginning, a proposta do álbum toma novos rumos. Não apenas beats lentos se instalam na canção, mas uma sucessão de samples e recortes eletrônicos capazes de reconfigurar toda a sonoridade que antes pudesse ditar os rumos do trabalho. A incursão pelo mundo de sons não orgânicos atingem um resultado tão apurado que com a chegada de Tiffany Lou ou mesmo da amena Ray fica difícil de manter a conexão com as influências sertanejas do cantor, agora um reformulado artista, uma espécie de James Blake bêbado que se divide entre o violão e as programações.

Não apenas pela proximidade com a voz próxima de Ian Curtis, mas por todos os momentos é possível estabelecer uma forte conexão entre o trabalho de Daughn com a obra do Joy Division ou mesmo de outros ícones do pós-punk britânico. Essa sensação passa a se manifestar a partir da segunda metade do disco, quando o músico reforça o uso de guitarras e mantém o clima obscuro ainda mais intenso, algo que Dandelions ou mesmo a homônima faixa de encerramento reforçam com teclados macambúzios e arranjos eletrônicos irregulares. Uma simples mostra da constante fluidez do músico pelos mais distintos – e necessários ao trabalho – campos da música.

Com esse conjunto de fórmulas musicais nunca óbvias e constantes, Daughn apenas estabelece todas as bases para um trabalho que passeia por relacionamentos que não deram certo, declarações sinceras de amor e momentos de pura angústia e abandono. A força que movimenta faixas como In the Beginning e Lookin’ Back On ’99 apenas revelam o quanto o inferno pessoal de Gibson é transferível e próximo dos mesmos sentimentos obscuros do ouvinte, que ao final do trabalho vê as próprias angústias misturadas às do norte-americano em um imenso inferno compartilhado.

All Hell (2012, White Denim)

Nota: 8.4
Para quem gosta de: Cass McCombs, James Blake e Youth Lagoon
Ouça: Tiffany Lou e In the Beginning

[soundcloud url=”http://api.soundcloud.com/tracks/37573183″ iframe=”true” /]

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.