Disco: “Amanhã vai ser o melhor dia da sua vida”, Luneta Mágica

/ Por: Cleber Facchi 02/10/2012

Luneta Mágica
Brazilian/Indie/Dream Pop
http://lunetamagica.bandcamp.com/

Por: Cleber Facchi

Simplício é um personagem curioso que sofre de dois tipos de miopia: a física e a moral. Depois de ser presenteado por um mágico com dois tipos diferentes de lentes – uma que o faz enxergar a maldade e outra apenas o lado bom das pessoas -, o pobre indivíduo resolve tomar uma decisão, incorporando um meio termo entre os dois objetos que o fazem ver e entender a real face do ser humano. Dentro desse universo mágico e fantasioso criado pelo escritor Joaquim Manuel de Macedo no livro A Luneta Mágico (1859) nasce o trabalho do homônimo trio manauense. Flutuando dentro de um cenário de ruídos, sons experimentais e realces sonoros que brincam com a imaginação, o grupo vai além dos sons regionais que parecem habitar a cultura amazonense, promovendo um trabalho rico em experiências que se relacionam abertamente com o que há de mais belo na música estrangeira.

Não é preciso ir além da primeira faixa de Amanhã vai ser o melhor dia da sua vida (2012, Independente) para entender como se estruturam e se expandem as raízes do trio nortista. Sublime, Astronauta manifesta as mesmas exigências experimentais e líricas que flutuam pela obra de grandes nomes do panorama norte-americano recente. Da nuvem de ruídos místicos que banham a obra do Beach House aos realces acolhedores da música folk que se estabelecem no trabalho de Sufjan Stevens, cada pequena manifestação no decorrer da doce faixa pende inevitavelmente para o que existe de mais grandioso na presente safra da música estadunidense. Contudo, longe de plágios e referências exageradamente similares, o grupo encontra nessa multiplicidade de experiências um tratado de acabamento próprio.

Sem qualquer tipo de relação com o clima tropical que define grande parte dos trabalhos brasileiros atuais – vide a expansão das cenas carioca e paraense -, a banda formada por Pablo Araújo, Chico Só e Diego Souza parece inclinada a construir um percurso místico e desvendado apenas por eles. Não poupando no uso de sintetizadores, batidas eletrônicas arquitetadas de forma não convencional e guitarras temperadas por uma carga extra de distorção, a banda cria as bases para produções sempre acompanhadas por versos melancólicos e nostálgicos. Dos anseios particulares que habitam Largo São Sebastião à necessidade de superação que reside nos versos de Embarcação, tudo soa como uma versão ruidosa e menos óbvia do que habita o trabalho de Cícero ou outros recentes nomes que parecem emoldurar a dor de forma quase apaixonada.

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Lembrando por vezes uma versão mais abrasileirada do que a dupla My Midi Valentine promoveu no decorrer do álbum The Fall Of Mesbla (2011), o trio faz crescer um trabalho de fortíssima aproximação com o que bem alimentava as composições do duo alagoano: a década de 1990. Mantendo uma forte aproximação com o que bandas típicas do período, como My Bloody Valentine e Galaxie 500 promovem em sua curta discografia, a banda solidifica a construção de um disco doce e que se acomoda intencionalmente em um mar de espumas ambientais, sempre consumidas pelo uso de ruídos leves e atrativos. Dentro do mesmo oceano de experiências temporais, surgem ainda nítidas passagens por discos como The Soft Bulletin (The Flaming Lips) e OK Computer (Radiohead), trabalhos que se anunciam tanto nas melodias dolorosas como no uso assertivo de samples e recortes sonoros que estão por todo o álbum.

Íntimo do que foi estabelecido ao longo de toda a produção dos anos 1990, parte do que garante beleza e transformação ao registro parece vir diretamente dos sons firmados na última década. Da sinestesia que se derrama em obras como Merriweather Post Pavilion do Animal Collective (bem representada na tonalidade mágica de Cinco bolas de sorvete por apenas um real) aos encaixes melódicos que se solidificam em Veckatimest do Grizzl Bear (trabalho praticamente continuado no interior da faixa Sábado), tudo funciona como uma matéria-prima aprimorada nas mãos do trio. Longe de parecer similar ou incapaz de produzir composições de peso criativo particular, faixas como Manaus 14:00 e até a comercial Não Acredito estabelecem rumos que parecem conhecidos apenas pela banda amazonense, prova clara da inventividade da tríade.

Mesmo sem a necessidade de soar comercial ou capaz de atingir o grande público, a construção de faixas mais leves pela obra, além da nítida aproximação sentimental com o espectador, Amanhã vai ser o melhor dia da sua vida revela um acabamento que pode ampliar suas formas e alcances sem qualquer tipo de limite. Visivelmente consumido pela irregularidade das formas instrumentais e poéticas, o álbum manifesta o nascimento de uma banda em plena fase de descoberta, ainda inconsciente de todas as próprias capacidades, mas mesmo assim capaz de produzir um registro tão rico e amplo quanto o de qualquer outro artista veterano.

Amanhã vai ser o melhor dia da sua vida (2012, Independente)

Nota: 8.3
Para quem gosta de: My Midi Valentine, Cícero e Silva
Ouça: Largo São Sebastião e Cinco bolas de sorvete por apenas um real

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.