Disco: “Anna Calvi”, Anna Calvi

/ Por: Cleber Facchi 23/06/2011

Anna Calvi
British/Female Vocalists/Alternative
http://www.myspace.com/annacalvi

Era começo de janeiro quando chegou até mim através de um amigo, um simplório e-mail contendo além de um link a seguinte indicação: “Ouça, você vai gostar”. Embora ainda estivesse ligada aos principais lançamentos do ano anterior, já estava mais do que na hora de desvendar o que 2011 reservava aos aficionados por música, e eis que ao clicar no link indicado fui direcionada para ouvir o trabalho de estreia da nada simplória Anna Calvi. Dona de uma voz inconfundível e cercada por uma instrumentação séria, poderosa e com um toque de sedução estava em minha frente um dos mais intensos registros do ano, que estava apenas começando.

Os meses foram passando e a homônima obra de Calvi estava ali, como se me esperasse ao final de cada dia para mais uma agradável audição de suas dez músicas. Vieram novos trabalhos, alguns melhores, outros menores, mas nenhum pareceu me acertar tanto quanto o álbum da britânica. A maneira como a cantora expõe sua voz e suas letras (rodeada de composições românticas, sofridas e que transportam pequenos elementos da alma da musicista) toma os ouvidos de assalto, sendo impossível se esquivar da solidez do registro depois que ele tem início. É como se o demônio exaltado por Calvi em The Devil, se apoderasse de nossos tímpanos e do restante do corpo.

Embora sejam composições aos trabalhos de PJ Harvey e Patti Smith as primeiras que se evidenciam ao nos depararmos com o trabalho da inglesa, o conjunto de referências que solidificam a carreira da cantora vão muito além dos dois grandes pilares femininos do rock alternativo. A atmosfera romântica e obscura que se estende pelo disco traz significantes toques de Siouxsie Sioux, dando aos vocais de Calvi uma tonalidade bem similar. Soma-se a isso uma carga visível de David Bowie, responsável por transportar ao álbum um toque cênico, grandioso e dissolvido em uma espécie de espetáculo.

Além das peculiaridades musicais, a britânica já afirmou em entrevistas a importância que o cinema e cineastas como Gus Van Sant e David Lynch tem em sua obra, sendo o diretor de películas como Mulholland Drive e Blue Velvet aquele que mais traz informações consideráveis ao trabalho da cantora. Contudo, talvez a presença de Lynch se encontre não tanto em seus filmes ou na atmosfera retratada por eles, mas em uma maior escala através suas aventuras pela série televisiva Twin Peaks. É perceptível uma forte aproximação entre a obra de Calvi e a série, que parece aqui ganhar uma trilha sonora alternativa, recheada pela mesma climatização e a atmosfera sombria.

Quando Brian Eno anunciou em entrevista à BBC que o trabalho de Anna Calvi era o projeto musical “mais importante desde Patti Smith”, o músico não estava apenas dando seu consentimento exaltado, pelo contrário há um fundo gigantesco de verdade em cima disso. Da abertura atmosférica e preparatória com Rider To The Sea ao encerramento intenso de Love Won’t Be Leaving, tudo dentro da obra da britânica soa carregado por um frescor, algo que nenhuma mulher no rock dos últimos dez ou vinte anos conseguiu reproduzir de maneira igual ou similar. Embora sejam inúmeras aquelas que obtiveram destaque dentro do estilo, nenhuma trouxe canções tão fortes quanto as entregues por Calvi.

Entretanto, por mais poderoso e denso que seja, o debut da cantora inglesa passa longe de ser considerado como uma obra inteiramente perfeita. É como se mesmo circundada por uma poderosa soma de composições, canções exaltadas e uma instrumentação adulta, a musicista ainda escondesse o ouro (ou seriam os diamantes?), reservando para um futuro talvez próximo algo ainda mais grandioso que o anunciado em seu primeiro álbum. Um álbum que merece ser ouvido repetidas vezes e que está longe, muito longe de soar cansativo.

Anna Calvi (2011)

Nota: 7.8
Para quem gosta de: PJ Harvey, Joan As a Police Woman e Patti Smith
Ouça: The Devil

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.