Apanhador Só
Indie Rock/Experimental/Alternative
http://www.apanhadorso.com/
Por: Cleber Facchi
Existe um preciosismo de que apenas por ser lançado “pelo esforço próprio”, um trabalho voltado ao universo independente se transforma na morada para composições que fogem das redundâncias da música comercial. Um erro típico. A julgar por boa parte dos lançamentos que marcaram a cena nacional na última década, o que se vê é uma repetição de fórmulas e métodos similares ao que há anos circula pelo pop ou mesmo pelas facções mais “adultas” da velha MPB. Reaproveitamento lírico, reciclagem instrumental e uma coleção desgastada de heranças que misteriosamente são esquecidas para que sejam encaradas como novas.
Partindo de um financiamento coletivo, ao entregar os custos do segundo registro para os próprios ouvintes, a gaúcha Apanhador Só não apenas antecipava o que seria uma continuação exata do primeiro álbum, como parecia mergulhar no velho (e desgastado) reaproveitamento de fórmulas da música nacional. A expectativa era de que a banda surgisse confortavelmente instalada nas repetição de ideias testadas em Prédio, Bem-Me-Leve e todo o cardápio agridoce do debut. Um toque de Los Hermanos, uma pitada de samba, alguns acréscimos da poesia gaúcha e pronto: estava lançado o registro. Entretanto, nada poderia ser mais satisfatório do que saber que em Antes Que Tu Conte Outra (2013, Independente), segundo trabalho de estúdio da banda, pouco ou quase nada do primeiro álbum parece ter sobrevivido.
Sem prever, a centena de colaboradores que custearam as gravações do novo disco se fazem co-autores de uma das obras mais provocativas do rock nacional – antigo e recente. Sim, o “Los Hermanos” que o público (ou pelo menos parte dele) esperava está de volta, não em música, poesia e instantes de plágio já imaginados, mas em ideia. Da mesma forma que o completo rompimento do quarteto carioca em Bloco do Eu Sozinho (2001), cada instante do novo álbum da Apanhador Só é um balde de água fria e ao mesmo tempo criatividade. Não se trata mais de entregar respostas, consolar por meio dos versos ou fornecer acertos melódicos para o ouvinte, mas de provocar lírica e instrumentalmente.
[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=8NzQyyACE7c?rel=0]
[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=qskeD0d11oc?rel=0]
Erroneamente já tratado como uma obra de apelo “conceitual”, Antes Que Tu Conte Outra está longe de firmar qualquer estrutura padrão ou matéria guia que aproxime tematicamente as canções do disco. Fazendo jus ao rótulo imediato de “experimental”, o quarteto – Alexandre Kumpinski, Felipe Zancanaro, Fernão Agra e André Zinelli – transforma cada faixa em um passeio torto e de particularidades específicas. Afinal, nada do que alimentava o fluxo ensolarado-indie-universitário do trabalho anterior se faz presente, o que transforma a individualidade das estranhas composição em um bloco de sons, versos e principalmente ruídos desprovidos de linearidade.
Se provocar é a maior necessidade da banda com o novo disco, é de Felipe Zancanaro essa responsabilidade. Não apenas a guitarra, velha parceira do músico, tem sua função bem definida pelo disco – vide Despirocar e Torcicolo -, mas toda uma soma de novos incrementos. Carregado de samples – que incluem “cama de mola, roda de skate, serrote serrando, lata de cerveja vazando” -, o trabalho se relaciona diretamente com a proposta de “álbum-lugar” que o grupo busca expôr com o novo disco. Ora ambientado em um cenário claustrofóbico de um apartamento, ora sufocado pela imensidão espaçosa de uma grande cidade, o registro se transporta a todo o instante, arremessando o espectador dentro das colagens instrumentais que a banda impõe.
Embora revele em uma primeira audição um completo afastamento daquilo que foi entregue há três anos, em se tratando dos versos o propósito da banda ainda é o mesmo. São dicotômicas canções sobre relacionamentos (Não se precipite), tratados existencialistas (Rota) e até uma exposição maior de crônicas descritivas (Despirocar). Mantém-se as ideias, porém, se alteram os rumos. Ao se ausentar do movimento sonoro imposto de forma confortável no primeiro álbum, a banda – e mais especificamente Kumpinski e o velho colaborador Ian Ramil – fogem à regra. Assim, não é difícil esbarrar em Os Mutantes no anti-jingle Líquido Preto, nas cartas musicadas de Chico Buarque com Vitta, Ian, Cassales e até em elementos que parecem únicos da poesia que comanda o trabalho da banda.
Feito e desfeito a todo o instante, capaz de estabelecer desconforto e atração na mesma medida, o que mais atrai em Antes Que Tu Conte Outra é a percepção de que a banda se esforça a brincar com a compreensão do ouvinte. Tudo é estranhamente derrubado de forma aleatória sem fugir da intencionalidade, o que transforma músicas como Lá em casa tá pegando fogo ou mesmo a radiofônica Rota em um objeto de constante descoberta. Cada música é encarada como desafio, seguido de prêmio e revelação, prova de que arriscar – tanto para a banda como para o público – ainda é a maior beleza de qualquer registro.
Antes Que Tu Conte Outra (2013, Independente)
Nota: 9.2
Para quem gosta de: Transmissor, Cambriana e Los Hermanos
Ouça: Rota, Despirocar e Não se Precipite
[soundcloud url=”http://api.soundcloud.com/playlists/5892695″ params=”” width=” 100%” height=”450″ iframe=”true” /]
Resenha perfeita, disco muito bom também.
Apesar que senti um pouco falta do estilo do primeiro álbum.
Mas é um disco ótimo mesmo.
Este disco é uma belíssima evolução natural do primeiro, arranjos primorosos de uma banda consciente do que faz
O álbum é perfeito, mas o que mais me chamou a atenção foram os vocais ÓTIMOS.
Tem alguma ideia do que se trata a letra de “Rota”? Gosto muito dela e sinceramente não tenho ideia do porquê.
O disco tá lindo, e acho que a palavra que descreve ele é EQUILÍBRIO. Equilíbrio de formas, de sucata, de guitarra, de voz… Tá lindo, tá lindo.
Não vejo essa discrepância gritante do primeiro álbum para este como apresentado nos primeiros parágrafos desta resenha. Creio que se for analisar passo-a-passo, entre os dois discos tem duas gravações, Acústico-Sucateiro e Paraquedas, que mostram a mudança gradual da banda.
A sucata esteve quase ausente do homônimo por causa da saída da então percussionista, retorna ao Acústico-Sucateiro rearranjando as músicas de forma irreverente e com algum foco na estética. O compacto Paraquedas/Salão-de-Festas mostra as duas facetas que o próximo disco poderia mostrar, uma epopeia carregada de metáforas e um arranjo cheio de efeitos e uma despretensiosa e ensolarada música. Vejo muito do primeiro disco ainda neste, ainda que não há a variedade de ritmos vista no primeiro (que contém músicas que chamam por forró, tango, rock, samba).
O grande ponto de impacto do disco é a mensagem política, mas quem acompanha a banda nos shows já via algum discurso, mesmo que sutil, dirigido a alguns assuntos do cenário da música independente ou a fatos ocorridos no cotidiano, como o caso do Tatu-bola da empresa que fabrica o “líquido preto” em Porto Alegre no final do ano passado.
Quanto ao disco, baita disco.
ps: A comparação musical com Los Hermanos é chata e às vezes burra. O engraçado no caso da Apanhador Só é que as referências com o Los Hermanos são parecidas. Me inconformo como qualquer coisa que tenha guitarras e uma preocupação poética, um foco na canção, se torne um protótipo de Los Hermanos perante aos ouvidos não tão atentos. Em tempo, ser comparado com a banda quase-indie mais famosa não deve ser nenhum demérito, já que nunca os vi negando esta comparação. Mas que esbarra na preguiça de uma análise mais profunda, esbarra.
Em sinceridade, creio piamente que isso, toda essa novidade tanto sonora quanto as mudanças nas letras se deve a uma evolução completamente positiva do gênero da banda, escuto Apanhador desde seu primeiro álbum, e ao ouvir Antes que Tu Conte Outra, foi uma afirmação de que eles fizeram mais que um ótimo trabalho, evoluíram em um todo.
Que orgulho de ter ajudado a financiar tudo isso! U-hu!
Realmente, essa(s) comparações são chatas e desnecessárias na maioria das vezes!
Mais foi uma boa resenha. E o disco é FODA!
Achei o texto muito justo, sóbrio, quase um recado para os fãs da banda que em geral buscam (ou buscavam) na Apanhador Só uma extensão do Los Hermanos. Concordo com o que o autor do texto diz em “Sim, o “Los Hermanos” que o público (ou pelo menos parte dele) esperava está de volta, não em música, poesia e instantes de plágio já imaginados, mas em ideia”, afinal, há no disco novo um rompimento, assim como aconteceu com o Los Hermanos, porém, um rompimento ainda maior com qualquer relação aos trabalhos anteriores. Discordo do que Christopher Augusto diz que a mudança em Antes Que Tu Conte Outra foi gradativa. Pelo contrário, ela foi brusca e necessária. Ainda que o Acústico e Paraquedas apontem para uma nova proposta em relação ao primeiro disco, com o novo álbum é um universo novo, bem desafiador mesmo, lembra uma versão pop (se é que é possível) de Araçá Azul ou outras coisas do Caetano na década de 70. Quero ver onde a banda vai parar.
resenha linda! mas bá!
Rock feito com a indignação. Algo tão em falta nos dias de hoje. Top álbum 2013.
gostei muito do disco, da resenha tbm. acho q tem bastante do toque do marcelo camelo (mais do q lh até, e diz isso eu, q prefiria Amarante). alguém aí falou no vocal, realmente, belíssimo. ouvi hj: gostei muito das duas primeiras, mais Não se precipite, Reinação e Cartão postal. bá.
A resenha foi direta ao ponto e bem sincera quanto ao disco. Não digo que eles mudaram e sim amadureceram e isso é a coisa mais positiva no som de uma banda. Antes que tu conte conte fascina com as melodias e letras que oras generalizam oras são muito intimistas. O resultado final foi muito além do que eu imaginava que eles iriam produzir, estou apaixonada ainda mais.
Não se precipite, Torcicolo e Líquido Preto estão entre as minhas favoritas do álbum, que mais videoclipes e genialidade sejam produzidos por eles!
Resenha muito sensível! Gostei bastante.