Disco: “Antes Que Tu Conte Outra”, Apanhador Só

/ Por: Cleber Facchi 23/05/2013

Apanhador Só
Indie Rock/Experimental/Alternative
http://www.apanhadorso.com/

 

Por: Cleber Facchi

Apanhador só

Existe um preciosismo de que apenas por ser lançado “pelo esforço próprio”, um trabalho voltado ao universo independente se transforma na morada para composições que fogem das redundâncias da música comercial. Um erro típico. A julgar por boa parte dos lançamentos que marcaram a cena nacional na última década, o que se vê é uma repetição de fórmulas e métodos similares ao que há anos circula pelo pop ou mesmo pelas facções mais “adultas” da velha MPB. Reaproveitamento lírico, reciclagem instrumental e uma coleção desgastada de heranças que misteriosamente são esquecidas para que sejam encaradas como novas.

Partindo de um financiamento coletivo, ao entregar os custos do segundo registro para os próprios ouvintes, a gaúcha Apanhador Só não apenas antecipava o que seria uma continuação exata do primeiro álbum, como parecia mergulhar no velho (e desgastado) reaproveitamento de fórmulas da música nacional. A expectativa era de que a banda surgisse confortavelmente instalada nas repetição de ideias testadas em Prédio, Bem-Me-Leve e todo o cardápio agridoce do debut. Um toque de Los Hermanos, uma pitada de samba, alguns acréscimos da poesia gaúcha e pronto: estava lançado o registro. Entretanto, nada poderia ser mais satisfatório do que saber que em Antes Que Tu Conte Outra (2013, Independente), segundo trabalho de estúdio da banda, pouco ou quase nada do primeiro álbum parece ter sobrevivido.

Sem prever, a centena de colaboradores que custearam as gravações do novo disco se fazem co-autores de uma das obras mais provocativas do rock nacional – antigo e recente. Sim, o “Los Hermanos” que o público (ou pelo menos parte dele) esperava está de volta, não em música, poesia e instantes de plágio já imaginados, mas em ideia. Da mesma forma que o completo rompimento do quarteto carioca em Bloco do Eu Sozinho (2001), cada instante do novo álbum da Apanhador Só é um balde de água fria e ao mesmo tempo criatividade. Não se trata mais de entregar respostas, consolar por meio dos versos ou fornecer acertos melódicos para o ouvinte, mas de provocar lírica e instrumentalmente.

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Erroneamente já tratado como uma obra de apelo “conceitual”, Antes Que Tu Conte Outra está longe de firmar qualquer estrutura padrão ou matéria guia que aproxime tematicamente as canções do disco. Fazendo jus ao rótulo imediato de “experimental”, o quarteto – Alexandre Kumpinski, Felipe Zancanaro, Fernão Agra e André Zinelli – transforma cada faixa em um passeio torto e de particularidades específicas. Afinal, nada do que alimentava o fluxo ensolarado-indie-universitário do trabalho anterior se faz presente, o que transforma a individualidade das estranhas composição em um bloco de sons, versos e principalmente ruídos desprovidos de linearidade.

Se provocar é a maior necessidade da banda com o novo disco, é de Felipe Zancanaro essa responsabilidade. Não apenas a guitarra, velha parceira do músico, tem sua função bem definida pelo disco – vide Despirocar e Torcicolo -, mas toda uma soma de novos incrementos. Carregado de samples – que incluem “cama de mola, roda de skate, serrote serrando, lata de cerveja vazando” -, o trabalho se relaciona diretamente com a proposta de “álbum-lugar” que o grupo busca expôr com o novo disco. Ora ambientado em um cenário claustrofóbico de um apartamento, ora sufocado pela imensidão espaçosa de uma grande cidade, o registro se transporta a todo o instante, arremessando o espectador dentro das colagens instrumentais que a banda impõe.

Embora revele em uma primeira audição um completo afastamento daquilo que foi entregue há três anos, em se tratando dos versos o propósito da banda ainda é o mesmo. São dicotômicas canções sobre relacionamentos (Não se precipite), tratados existencialistas (Rota) e até uma exposição maior de crônicas descritivas (Despirocar). Mantém-se as ideias, porém, se alteram os rumos. Ao se ausentar do movimento sonoro imposto de forma confortável no primeiro álbum, a banda – e mais especificamente Kumpinski e o velho colaborador Ian Ramil – fogem à regra. Assim, não é difícil esbarrar em Os Mutantes no anti-jingle Líquido Preto, nas cartas musicadas de Chico Buarque com Vitta, Ian, Cassales e até em elementos que parecem únicos da poesia que comanda o trabalho da banda.

Feito e desfeito a todo o instante, capaz de estabelecer desconforto e atração na mesma medida, o que mais atrai em Antes Que Tu Conte Outra é a percepção de que a banda se esforça a brincar com a compreensão do ouvinte. Tudo é estranhamente derrubado de forma aleatória sem fugir da intencionalidade, o que transforma músicas como Lá em casa tá pegando fogo ou mesmo a radiofônica Rota em um objeto de constante descoberta. Cada música é encarada como desafio, seguido de prêmio e revelação, prova de que arriscar – tanto para a banda como para o público – ainda é a maior beleza de qualquer registro.

 

Antes Que Tu Conte Outra (2013, Independente)


Nota: 9.2
Para quem gosta de: Transmissor, Cambriana e Los Hermanos
Ouça: Rota, Despirocar e Não se Precipite

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.