Disco: “Anxiety”, Autre Ne Veut

/ Por: Cleber Facchi 12/02/2013

Autre Ne Veut
R&B/Electronic/Singer-Songwriter
http://www.autreneveut.com/

Por: Cleber Facchi


Arthur Ashin é um artista que lida com o drama como poucos. Cada verso derramado pelo cantor e produtor nova-iorquino se desfaz em uma nuvem densa de melancolia, percepção que eleva os mais simples sentimentos a um ponto quase inimaginável de absorção. Saudade, traição, medo, paixão e desespero, tudo engrandecido por uma dose extra de vozes invadidas pelo exagero, batidas que exaltam o épico, sons que crescem amargurados e toda uma profusão de elementos que fazem de cada novo trabalho do Autre Ne Veut um bloco imenso de confissões íntimas. Elevando esse mesmo grau de solidão, o artista faz do recente Anxiety (2013, Mexican Summer/Software) um composto ainda mais intenso do que tudo o que conseguiu planejar até agora, deixando a paixão de lado, para lidar exclusivamente com a dor

Espécie de Justin Timberlake gay, ou talvez um encontro dicotômico entre a calmaria de How To Dress Well e o brilho grandioso de Miguel, Ashin usa do novo álbum – sucessor dos bem resolvidos Autre Ne Veut (2010) e Body EP (2011) -, como um exercício de autoafirmação. As melodias sempre grandiosas, ainda que carregadas pelo peso da separação, encontram um espaço raro dentro do R&B atual. Uma medida mais simples do que a estabelecida por Frank Ocean dentro do ainda recente Channel, Orange (2012), ou talvez um reflexo esquizofrênico e naturalmente particular do mesmo desempenho comercial firmado por Jessie Ware e os pontos mais entristecidos de  Devotion. Com Anxiety Ashin quer ser pop, mas sem se desligar das referências de outrora.

Com base nessa proposta, o artista usa de cada instante no decorrer das dez faixas que recheiam o disco como um exercício constante de surpresa, fazendo de composições talvez simplistas nas mãos de outros cantores momentos de pura dor e confissão. Contrário de Frank Ocean, Tom Krell e outros representantes recentes do mesmo gênero, Ashin se desprende de um trabalho que prepara o ouvinte para os instantes de maior intensidade, entregando logo de cara boa parte do ouro enriquece a obra. Dotadas de um vigor que praticamente sufoca, Play by Play e Counting soterram o ouvinte em uma avalanche de sintetizadores e batidas que simplesmente se derretem mediante os vocais competentes e límpidos do cantor. Décadas de transições pelo pop e pelo R&B radiofônico em prol de um resultado que jamais se deixa tingir pelas repetições. Algo como se Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never) deixasse o cenário estranho que habita em prol de um resultado romântico e sofredor.


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Se parte relevante do que traduz a beleza do trabalho vem do esforço de Arthur Ashin em transformar o Autre Ne Veut em uma válvula de escape para suas emoções, outro pilar que sustenta o disco está na maneira nada comportada como os vocais são aplicados cuidadosamente pela obra. Em Gonna Die e Don’t Ever Look Back, por exemplo, sintetizadores trabalhados nas experiências da década de 1980 servem de base para que uma verdadeira chuva de vozes corrompidas pela dor deem vida a um dos momentos mais sombrios e tristes do álbum. Falsetos manipulados e toda uma variedade de construções vocálicas ampliam de forma significativa a carga dramática das composições, resultado que garante uma condução coesa para o álbum até os últimos segundos.

O mais curioso dentro de Anxiety talvez seja perceber o quanto a natureza particular dos versos de Ashin são trabalhados dentro de um contexto universal. É como se o produtor fosse capaz de erguer uma ponte entre os discos de pop sofredor que ouvíamos na adolescência rumo ao presente, a uma fase “adulta”. A mesma dor, o mesmo sofrimento e o exato desespero sentimental, porém aplicados aos mais distintos públicos. Ainda que grande parte das faixas abordadas no decorrer do álbum se manifestem como um reflexo lógico da atuação e dos sentimentos individuais de seu realizador, do momento em que inicia, até a faixa de encerramento, tudo se traduz em um aglomerado de sensações partilhadas, como se o ouvinte fosse na verdade o autor de cada verso espalhado pela obra.

Ao mesmo tempo em que conversa com o ouvinte, trocando confissões e partilhando seus instantes mais dolorosos, Arthur Ashin faz do novo disco do Autre Ne Veut um trabalho que precisa ser absorvido com parcimônia. Mesmo que o álbum se desligue de boa parte das experimentações impostas no álbum de 2010 em prol de um registro de nítido apelo comercial, a melancolia eletrônica do artista acaba por distanciar o espectador. Afinal, ao esmiuçar cada aspecto sombrio dos sentimentos que o envolvem, Ashin encontra um disco de beleza única, porém, de dor que talvez custe a ser compartilhada e revivida.

 

Anxiety
Anxiety (2013, Mexican Summer/Software)

Nota: 8.3
Para quem gosta de: How To Dress Well, Miguel e Twin Shadow
Ouça: Counting, Gonna Die e Play By Play

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.