Disco: “Are We There”, Sharon Van Etten

/ Por: Cleber Facchi 19/05/2014

Sharon Van Etten
Indie/Folk/Female Vocalists
http://sharonvanetten.com/

 

Por: Cleber Facchi

Se existe uma certeza dentro da história da música – antiga, recente ou futura – é a de que jamais vão faltar obras alimentadas pelo aspecto triste do amor. Mesmo antes da consolidação da indústria da música, no começo do século XX, sofrer sempre foi encarado como uma fonte natural de inspiração para qualquer compositor. Um campo ilimitado de melodias e versos capazes de revisitar considerações simples, porém, necessárias de um pós-relacionamento. É justamente dentro desse ambiente cinza que Sharon Van Etten fez sua morada e parece extrair toda a base temática para cada disco lançado desde o debut Because I Was in Love, de 2009.

Em evidente crescimento poético, a cantora centrada na região do Brooklyn, Nova York, fez de cada álbum apresentado nos últimos cinco anos uma inteligente transposição das próprias recordações sentimentais. Discos como Epic (2010) e Tramp (2012), que mesmo afundados em temas há muito desgastados por diferentes artistas, conseguiram reforçar identidade e certa dose de ineditismo por conta do catálogo rico (e sofrido) de versos que carregam. Adaptações melancólicas do cotidiano da cantora e obras que servem de alicerce para o bem executado quarto disco de Van Etten, Are We There (2014, Jagjaguwar).

Eu canto sobre o meu medo e amor e o que eles trazem“, anuncia a cantora com timidez no interior de I Know, faixa que traduz parte das experiências que ocupam o novo disco. Longe de parecer repetitivo ou sustentado pela mesma fórmula dos álbuns passados, o presente trabalho usa da grandeza como um mecanismo de afirmação. É como se os três discos lançados anteriormente refletissem a mente perturbada da compositora, o que explica o hermetismo em torno dos arranjos e letras. Todavia, essa suposta reclusão parece extinta no interior de Are We There, álbum que funciona como uma explosão, um honesto ápice sentimental.

Não por acaso, grande parte das faixas refletem esse sentimento de “expansão”, como se Van Etten pela primeira vez cantasse para fora, exorcizando a melancolia acumulada ao longo dos anos. Proposital ou não, tal exercício acaba por revelar o lado mais comercial da cantora. Ainda que Taking Chances e a derradeira Every Time the Sun Comes Up sejam capazes de assumir esse caráter “facilitador”, por toda a obra a musicista espalha melodias e versos movidos por um controlado apelo “pop”. Do ambiente sombrio que cresce em Your Love Is Killing Me, aos lamentos de You Know Me Well, cada instante do registro aposta (com acerto) no grande público, semelhança que aproxima o disco de obras como You Are Free (2003) de Cat Power, ou mesmo The Idler Wheel… (2012), de Fiona Apple.

Ao lidar com uma série de conceitos apresentados no Folk/Country da década de 1970, Van Etten (mais uma vez) estreita os laços com a obra de veteranos como Joni Mitchel e Neil Young – influências confessas por parte da artista. Muito dessa relação vem do processo de construção do álbum, que foi parcialmente gravado no Electric Lady Studios, em Nova York, e contou, inclusive, com instrumentos utilizados por John Lennon e Pati Smith – esta última, uma das grandes inspirações da artista. Entretanto, longe de apenas “voltar no tempo” e usurpar de uma série de elementos característicos, Are We There mantém firme a comunicação com o presente. Preferência que faz do registro uma obra muito mais próxima dos recentes projetos de Angel Olsen e Torres, do que qualquer outro disco clássico lançado há quatro décadas.

Cereja do bolo em um ano abastecido por obras arrasadas pela separação – como I Never Learn, da sueca Lykke Li e até Nikki Nack, da sempre sorridente tUnE-yArDs -, o novo álbum de Van Etten é mais do que uma passagem da artista para a fase adulta, mas um trabalho de apelo universal – capaz de dialogar com diferentes parcelas do público. Como uma fuga do underground, cada minuto do registro reverbera melodias sublimes e a boa forma da compositora, que mesmo cantando sobre si mesma, usa do fluxo simples dos versos de forma a estabelecer uma honesta relação com o ouvinte. Afinal, todo mundo um dia já sofreu (ou vai sofrer) por amor, e é exatamente isso que faz de Are We There uma obra essencial.

Sharon Van Etten

Are We There (2014, Jagjaguwar)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Torres, Angel Olsen e Cat Power
Ouça: Your Love Is Killing Me, You Know Me Well e Every Time the Sun Comes Up

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.