Disco: “awE naturalE”, THEESatisfaction

/ Por: Cleber Facchi 25/06/2012

THEESatisfaction
Funk/Hip-Hop/Neo-Soul
http://www.theesatisfaction.com/

Por: Cleber Facchi

De todos os acertos que acabaram por definir Black Up, a estreia do Shabazz Palaces como um dos registros mais surpreendentes do último ano, sem dúvidas o maior deles está relacionado à capacidade da dupla norte-americana em promover um disco inventivo e que experimenta todos os limites do hip-hop tradicional. Partindo de uma proposta essencialmente jazzística, o álbum brinca com as formas instrumentais, por vezes posicionando os versos em um plano de fundo e permitindo que os beats, samples e demais elementos sonoros se propaguem no interior da obra. Logo, não é de se estranhar que um dos melhores momentos do disco esteja justamente em Endeavors for Never, canção em que a dupla de Seattle brinca de fato com as formas, absorve o funk e se deixa conduzir por uma estranha psicodelia lo-fi.

Talvez distinta do ponto de vista do restante da obra, a canção parece ganhar novo significado quando posta ao lado do que fora lançado recentemente por outra dupla. Espécie de versão feminina e ainda mais calorosa do que Ishmael Butler e Tendai Maraire promoveram ao estrear em Black Up, Stasia Irons e Catherine Harris-White parecem seguir a mesma trilha deixada ao longo da suingada composição, transformando o primeiro registro oficial pelo THEESatisfaction em uma continuação assertiva do que fora testado por elas há pouco mais de um ano. Em casa, o duo eleva todos os acertos de outrora de forma significativa, mantendo o caráter experimental, porém brincando com os ritmos de forma a cativar ainda mais o ouvinte.

Banhadas pela mesma esquizofrenia instrumental que ocupa grande parte do hip-hop ou mesmo da música eletrônica norte-americana atual, awE naturalE (2012, Sub Pop) permite que a dupla colecione samples vindos de diferentes cantos da música, pontuando tudo com uma mistura empolgada que brinca com a soul music de forma dançante e genuína. Dotadas de um vocal poderoso, porém controlado, o duo transforma cada uma das 13 curtíssimas faixas do disco – nenhuma ultrapassa os três minutos – em um álbum de colagens. Uma pequena coleção que percorre a psicodelia dos anos 60, mergulha de cabeça na música negra da década de 1970 até se encontrar com o rap clássico de nomes como Afrika Bambaataa, Run DMC ou mesmo o Public Enemy do clássico Fear of a Black Planet, algo bem visível na maneira como as batidas conduzem as canções.

[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=qGWFBt_IPOg?rol=0]

[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=XMuSM12UzyU?rol=0]

A necessidade de soar experimental e ao mesmo tempo acessível acaba estabelecendo uma mistura peculiar ao longo do disco. Enquanto em faixas como Enchantruss a estranheza do Shabazz Palaces parece se encontrar com o Animal Collective do álbum Sung Tongs, QueenS puxa o trabalho para uma fluidez mais pop e vendável. Das batidas às bases, é como se Amy Winehouse se encontrasse com a mesma Chillwave proposta no primeiro disco do Neon Indian, algo que o refrão em looping ou mesmo as reverberações lo-fi ao fundo despertam em poucos segundos da canção. E ainda há mais no catálogo de referências que definem o disco. De Sly & The Family Stone na quente Sweat à BADBADNOTGOOD em Existinct, novas e velhas influências se cruzam no decorrer do álbum.

Com um resultado diversificado, nem mesmo os vocais parecem manter a linearidade, afinal, é como se as vozes maquiadas por efeitos, ecos e loopings se transformassem em uma espécie de instrumento à parte, acrescentando ao trabalho uma desenvoltura rara. Embora acabe dialogando naturalmente com tudo aquilo que caracteriza a soul music contemporânea – principalmente o que se desenvolve em solo britânico -, a quebra das convenções permite que a dupla ocupe um espaço vazio, circulando por diversos territórios e vertentes sem necessariamente se fixar em um único ponto – mas estabelecendo marcas em todos.

Embora awE naturalE soe como um registro completo, com todas as composições, mesmo diversificadas e particulares, estabelecendo um diálogo consciente entre elas, cada pequena criação presente no álbum abre espaço para que as norte-americanas possam estabelecer um mundo de novas possibilidades e rumos musicais. Longe de se apoiar em velhos e desgastados acertos que definem grande parte da black music atual, Irons e Harris-White se permitem absorver uma variedade de ritmos, fórmulas e influências, meras particularidades perto da grandeza do registro e das canções que o completam. Se o acerto do Shabazz Palaces no último ano foi de reformular o hip-hop tradicional, com o lançamento do primeiro disco o THEESatisfaction mantém a mesma proposta, reformulando não apenas um único estilo, mas vários deles.

awE naturalE (2012, Sub Pop)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Shabazz Palaces, Janelle Monáe e M.I.A.
Ouça: Earthseed, QueenS e Enchantruss

[soundcloud url=”http://api.soundcloud.com/tracks/35573638″ iframe=”true” /]

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.