Disco: “Bon Iver”, Bon Iver

/ Por: Cleber Facchi 19/05/2011

Bon Iver
Indie/Folk/Singer-Songwriter
http://www.myspace.com/boniver

For Emma, Forever Ago é um desses discos que justificam com verdadeira propriedade o significado da palavra “surpresa”. Lançado no inverno norte-americano de 2008, o trabalho lentamente foi tomando formas, ultrapassando as barreiras dos nichos até atingir em partes o grande público, não apenas americano. As harmonias de vocais proporcionadas de forma sentimental por Justin Vernon, os simplistas arranjos de violão e o clima sofrido evidenciado ao longo do álbum transformaram o registro em um dos trabalhos mais comentados daquele ano, sendo que logo no ano seguinte Blood Bank EP (2009) veio para acalmar os ansiosos por outro álbum da banda. Dando continuidade a carreira, Vernon e seus parceiros voltam com um novo LP, mostrando que não há fim ao sofrimento.

Mesmo que a dor já não seja tão intensa quanto àquela proclamada em 2008, o sentimento doloroso expresso no autointitulado novo disco permanece o mesmo. O quarteto de Wisconsin – Justin Vernon, Michael Noyce, Sean Carey e Matthew McCaughan – parece lentamente abandonar o frio glacial exposto da capa aos versos dos álbuns anteriores, em prol de um som levemente mais caloroso, como se a primavera (algo representado na capa do disco) pouco à pouco ganhasse forma e fazendo com que o sofrimento fique para trás. Entretanto, não espere espere por versos exaltados e sonoridades ensolaradas, afinal, o coração de Vernon permanece ainda soterrado sob densas camadas de neve, relembrando a todo o momento que a dor ainda não se extinguiu.

Entre palavras anunciando sua angústia e coros de vocais tomados pelo uso de falsetes é no instrumental que a banda carrega toda a beleza e comoção do novo disco. As guitarras fragmentadas em controlados solos melancólicos e a bateria esporádica, evitando a todo momento exaltações desnecessárias vão movimentando as bases das faixas, enquanto pequenas inserções cumprem o papel de tornar grande a presença das faixas. Ruídos discretos de percussão, violoncelos, pianos e teclados servem como pequenas pinceladas no decorrer da obra, tornando ainda mais assertiva a execução do disco.

Um bom exemplo de como a banda vai construindo em etapas suas canções está em Michicant. Quinta música do álbum, a faixa – que em seus versos revela muito do que levou Vernon a construir o disco anterior, traduzindo seu sofrimento como uma espécie de maturação forçada – começa com a tradicional sobreposição de vocais, trançada com uma sonorização acústica típica do grupo, mas que gradativamente vai se preenchendo de elementos percussivos. A climatização pacata logo se adorna de novos sons, que vão do uso de instrumentos de sopro à violinos obscuros e uma bateria abafada, sempre desenvoltos dentro de um panorama minimalista, controlado ao máximo e justamente por isso encantador.

Embora a temática do trabalho ainda seja a mesma explorada no álbum de 2008 e no EP de 2009, esse segundo disco permite que o quarteto desenvolva novas possibilidades de fazer música. Enquanto em For Emma, Forever Ago tudo parecia excessivamente frio e demasiado reducionista, recentes faixas como Towers (uma das melhores do álbum) e Calgary (o primeiro single) possibilitam que a banda se aventure por novos sons, evitando o sempre presente erro da redundância instrumental e se entregando de forma tão criativa quanto o resultado exposto no debut. Porém, não são os tradicionais instrumentos da banda que trazem novos sopros de criatividade ao disco, mas sim o uso de inéditos sintetizadores.

O álbum todo chega carregado por pequenas inclusões de bips eletrônicos, tramas de teclados e massas de som que percorrem as dez composições do LP. Entretanto quem espera que o trabalho chegue carregado por um synthpop clichê, não há com o que se preocupar, afinal, essa inclusão é feita de forma progressiva, como se a banda fosse aos poucos adaptando o ouvinte às novas tendências abordadas por eles. Quanto mais o trabalho se aproxima do fim, maiores são as inclusões de sons sintéticos, o que obviamente dá todo um charme especial ao disco.

A partir de Calgary toda a profusão de sons que posicionavam a banda dentro de uma temática folk são simplesmente afastados, com o quarteto adentrando um território novo, ecoando os anos 80 e em alguns momentos lembrando muito o que o Destroyer tem explorado em seu último disco, Kaputt (2011). Em Beth/Rest (que conta com a ótima introdução da faixa anterior, Lisbon, OH) a banda se entrega de vez aos novos sons, lembrando com algum daqueles artistas românticos da década de 1980, algo como um Tears for Fear ou um Daryl Hall & John Oates melhorados, profundamente melancólicos e virtuosamente criativos. É muito provável que esse novo tipo de som seja o mote para os futuros lançamentos da banda, o que obviamente possibilita muito material novo para que os norte-americanos possam desenvolver.

Depois de uma boa apreciação do LP não restam dúvidas que todas as expectativas lançadas no disco de estreia foram supridas. Se no debut Vernon lutava contra as dores de um pós-relacionamento, aqui é o recomeço que amplia suas formas, mesmo que ainda exista toda uma gama de referências às dores do passado. Nesse aspecto é possível ligar o trabalho do Bon Iver com o último disco do The Antlers (Burst Apart, 2011), também partindo do mesmo princípio de superação, e ambos discos que rumaram para novos caminhos, tanto no quesito poético quanto instrumental. Porém, a dor expressa pela banda de Wisconsin parece ainda maior, como se mesmo a luminosidade primaveril fosse insuficiente para esquentar ou fazer derreter toda a neve e as mágoas que surgiram no passado.

Bon Iver (2011)

Nota: 9.2
Para quem gosta de: Volcano Choir, Fleet Foxes e Grizzly Bear
Ouça: Calgary

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.