Disco: “Burn Your Fire for No Witness”, Angel Olsen

/ Por: Cleber Facchi 18/02/2014

Angel Olsen
Indie/Folk/Lo-Fi
http://angelolsen.com/

Mais de quatro décadas separam Blue (1971), obra-prima da compositora canadense Joni Mitchell, do recém-lançado Burn Your Fire for No Witness (2014, Jagjaguwar), segundo e mais recente trabalho de estúdio de Angel Olsen. Ainda que os caminhos assumidos pelas duas artistas sejam bastante particulares – e quase opositivos em determinados aspectos líricos -, o princípio de orquestração temática de cada obra permanece o mesmo: a melancolia escancarada de um coração partido.

Apoiada em elementos lançados há décadas pela veterana, Olsen, longe de se afundar no martírio alcoólico das palavras, tenta sobreviver a qualquer custo, ensaio pontuado nos gritos de desespero que percorrem toda a obra. Menos tímido que o exercício proposto há dois anos com Half Way Home (2012), trabalho de estreia da novata, o presente álbum é um projeto que encontra nos arranjos clássicos – principalmente o Folk da década de 1970 -, um instrumento atento de comunicação com as palavras. Bases convencionais e pequenas fagulhas Lo-Fi que apenas reforçam a grandeza sóbria dos versos impostos pela cantora.

De natureza melancólica, Burn Your Fire for No Witness é um trabalho de sobrevivência. Cada instante dentro do álbum é como um respiro, um passo certo depois de um relacionamento fracassado e a tentativa explícita da cantora/personagem em se reerguer. “Se você sentir vontade de desistir agora, tente um pouco mais/ As coisas mais difíceis precisam de mais esforço”, declama Olsen na soturna Lights Out, música que reforça todo o sentimento de superação do disco – por vezes abafado pela verve melancólica de canções densas como White Fire.

Diferente da atmosfera lançada por Mitchell, em 1971, o novo álbum de Olsen, mesmo tomado pela dor, se distancia de um único personagem ou ponto de concentração específico. Enquanto a canadense transformou o álbum em um retrato da separação do ex-parceiro, Graham Nash, a cantora estadunidense usa do disco de forma a exorcizar diversos demônios. São referências dolorosas que se conectam diretamente com o disco de 2012 (High & Wild), dançam de forma melancólica pelo presente (Windows) e, acima de tudo, clamam pela liberdade da própria criadora (Forgiven/Forgotten).

Parte evidente da sustentação do álbum não está apenas na crueza amarga dos versos, mas na forma como as guitarras dão um sombreado perturbador ao disco. Parcialmente livre dos violões – mecanismo de sustento de todo o último disco -, Olsen firma na instrumento um ponto de corrupção da própria estética. Seja nos acordes arranhados de Forgiven/Forgotten, em que usa da sujeira dos arranjos como estímulo vocal, ou no clima soturno de White Fire, quando esbarra no Dream-Pop-Folk de Marissa Nadler, cada movimento instrumental do disco força o crescimento da artista, cada vez mais próxima do público e dona de um território musicalmente particular.

Herdeira de Joni Mitchell ou não, ao mesmo tempo em que usa do disco como um mecanismo de superação dos próprios pesadelos, Olsen faz do trabalho um pleno exercício de composição autoral. Uma obra em que rachaduras são eliminadas e pequenos fragmentos estéticos encontram seu lugar. No meio desse quebra-cabeça temático, a cantora em nenhum momento se esquiva do que parece ser o mais importante em uma obra do gênero: reforçar a sinceridade dos versos em uma ferramenta de constante comunicação com o público.

Angel Olsen

Burn Your Fire for No Witness (2014, Jagjaguwar)

Nota: 8.4
Para quem gosta de: Marissa Nadler, Jessica Pratt e Joni Mitchell
Ouça: White Fire, Lights Out e Dance Slow Decades

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.