Disco: “Canções de Apartamento”, Cícero

/ Por: Cleber Facchi 26/06/2011

Cícero
Brazilian/Indie/Singer-Songwriter
http://www.cicero.net.br/

Por: Cleber Facchi

Se múltiplos são os formatos, medidas e funcionalidades de um apartamento, então a morada do carioca Cícero Lins foi construída com base em uma temática totalmente própria. Lá não estão mesas, cadeiras, quadros pendurados pelas paredes, estantes de livros, camas e muito menos caixas fechadas abrigando tal mobília. No apartamento de Cícero talvez se acumulem sim algumas caixas, porém, dentro delas nenhum objeto metálico, emadeirado ou adornado por vidro e cerâmica, mas sim memórias, recordações vindas de um passado recente e que o jovem músico esporadicamente tende a visitar.

Da escolha de dez fragmentos dessas ainda frescas reminiscências, o carioca, ex-integrante da banda Alice – que antes de chegar ao fim em 2008 lançou os discos Anteluz (2005) e Ruído (2007) – traz para seu debut em carreira solo apenas o que há de mais doloroso em sua pequena coleção de recordações. O resultado desse agrupado de memórias, dores e um pingo de esperança vem trabalhado no doce Canções de Apartamento (2011, Independente), registro que transforma a morada espiritual de Lins em algo físico, audível e felizmente possível de ser repassado, dividindo seus sofrimentos com quem mais venha a se identificar com suas amarguras.

Se havia em sua antiga banda uma predisposição maior ao uso de guitarras, dentro da pequena obra que Cícero articula tal instrumento ainda está ali, porém menos intenso, evidenciado apenas quando realmente necessário. Para a quase totalidade de seu curto trabalho – são efêmeros 35:13 minutos -, o músico faz do uso de violões o elemento de condução para que seus vocais (muito similares aos de Rodrigo Lemos do Lemoskine/A Banda Mais Bonita da Cidade) entreguem versos melancólicos e carregados de uma nostalgia dolorosa.

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Embora cante de forma a construir uma persona solitária, Lins não se transforma em um ermita dentro de seu apartamento, dividindo ou alugando quartos para que Paulo Marinho (bateria) e Bruno Schulz (teclados, piano e acordeão) o acompanhem nesse derramar de versos e acordes dolorosos. O carioca abre também as janelas para que o cricrilar dos grilos em sua vizinhança, o canto dos pássaros ou mesmo o som da chuva invada sua casa, ampliando as dimensões de sua morada e fazendo de seu trabalho um reduto não intimista e sombrio, mas um espaço que mesmo consumido pela dor se projeta como um local convidativo e difícil de abandonar.

Se instrumentalmente o álbum já agrega algumas comparações aos registros em carreira solo de Marcelo Camelo – embora a obra de Cícero seja movida por uma musicalidade muito mais grandiosa e concisa -, em seus versos é a semelhança com outro Hermano que acaba revelada. Um Rodrigo Amarante da fase Ventura eventualmente se revela nas dobras de alguns músicas, como em Açúcar ou Adoçante? ou na graciosa Tempo de Pipa, uma das poucas faixas do álbum que se afastam da temática dolorosa. Surgem ainda ecos de um Chico Buarque em seus moldes mais românticos e nada politizados, revelando-se em pérolas como Vagalumes Cegos.

Produzindo algo que se divide entre o doce e o amargo, Cícero faz de seu simpático apartamento não apenas uma exposição sincera de suas recordações mais dolorosas e saudosistas, mas um singelo convite, uma pequena carta que autoriza a entrada de qualquer indivíduo aos limites de sua morada, partilhem eles da mesma dor, ou não. Longe de qualquer tipo de excesso e inundado por uma melodia incrivelmente bela, Canções de Apartamento se transforma em um registro inevitável, em que cedo ou tarde qualquer indivíduo acaba obrigado a visitar.

Canções de Apartamento (2011)

Nota: 8.2
Para quem gosta de: Lemoskine, Lestics e Marcelo Jeneci
Ouça: Ensaio Sobre Ela

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.