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Críticas

Carne Doce

: "Carne Doce"

Ano: 2014

Selo: Independente

Gênero: Indie Rock, Rock Psicodélico

Para quem gosta de: Boogarins, Luziluzia

Ouça: Sertão Urbano, Benzin

9.3
9.3

Disco: “Carne Doce”, Carne Doce

Ano: 2014

Selo: Independente

Gênero: Indie Rock, Rock Psicodélico

Para quem gosta de: Boogarins, Luziluzia

Ouça: Sertão Urbano, Benzin

/ Por: Cleber Facchi 15/10/2014

Fotos: Beatriz Perini

Sertão e cidade. Delicadeza e selvageria. Doce e salgado. No universo particular da banda Carne Doce, os contrastes vão muito além do nome/receita que representa o coletivo. Fruto da interação entre o casal Salma Jô e Macloys Aquino, o grupo nascido na cidade de Goiânia em 2012, há muito parece distante do tom confessional emoldurado nas canções do EP Dos Namorados (2013). Longe dos sussurros românticos e temas explorados no curto álbum, a dupla goiana, hoje acompanhada de João Victor Santana (guitarra e sintetizador), Ricardo Machado (bateria) e Aderson Maia (baixo), deixa de lado o próprio isolamento para tratar do primeiro álbum de estúdio como um mundo aberto. Um imenso cenário em que vozes, arranjos e temas dicotômicos se cruzam com naturalidade, prontos para seduzir o ouvinte.

Da mesma árvore que As Plantas Que Curam (2013), disco de estreia do grupo conterrâneo Boogarins, o homônimo álbum usa do passado como uma ferramenta de natural diálogo com o presente. Da voz instável de Salma Jô, íntima de Gal Costa no clássico Fa-Tal – Gal a Todo Vapor (1971), passando pelo acervo de fórmulas que ressuscitam Secos e Molhados (Passivo), Novos Baianos (Fruta Elétrica) e Clube da Esquina (Amigo dos Bichos), cada peça do registro é uma essencial brecha nostálgica. Velho e novo. Recortes e referências que em nada ocultam as próprias imposições da banda.

Exemplo convincente disso mora nos versos explorados pela vocalista ao longo do trabalho – peças atrativas pelo parcial ineditismo dos temas. Discussões culturais/sociais logo na inaugural Idéia (“Gente que troca mas por mais“); referências bucólicas em Sertão Urbano (“O progresso é mato“) e Amigo dos Bichos (“E vai ter que morar no alto da mangueira”); sexo (explícito) em Passivo (“Vem Me Fuder“) e todo um arsenal que escapa da despretensão carioca ou do sentimentalismo plástico da cena paulistana. Mesmo o romantismo enquadrado em Canção de Amor, Fetiche e Benzin parecem distantes do óbvio em se tratando de outras obras próximas. Se existem receitas e fórmulas prontas, nas mãos do grupo, tudo é desconstruído.

Por vezes “isolados” em um ambiente próprio, perceba como a banda carrega para dentro do registro um elemento cada vez mais raro em outros lançamentos nacionais: o clima de festival. Ainda que as apresentações em concursos regionais, performances em teatros e espaços separados das principais casas de show do país sirvam de estímulo para esse resultado, é dentro de estúdio que a herança referencial do grupo brilha e cresce de maneira assertiva. Seja na voz contorcida de Salma Jô, pisando no solo fértil de Elis Regina e Baby do Brasil, ou nas guitarras de Aquino e bateria firme de Machado, íntimas de Caetano Veloso no fim dos anos 1960, nítida é a postura do grupo em construir uma obra intensa, centrada no espetáculo, na ovação e diálogo aberto com o público.

Não por acaso o espectador parece esgotado, até mesmo suado, ao encerramento da obra. De forma positiva, a estreia do Carne Doce é um trabalho que suga a energia do ouvinte, arremessado em todas as direções ao longo da obra. Tumulto. Em um exercício ascendente, cada faixa serve de alicerce para a canção seguinte, movimento que faz da trinca Sertão Urbano, Passivo e Preto Negro um ato eufórico e completamente insano. Vozes que esbarram nas guitarras de Macloys Aquino e sintetizadores de João Victor Santana; o baixo de Maia preenchendo as lacunas e a bateria (marcial) de Machado que parece reger toda a arquitetura crescente do disco. Ao final, apenas a sutileza de Amigo dos Bichos e Fetiche, peças essenciais para que o ouvinte tome fôlego e mergulhe no psicodélico eixo final da obra.

Perturbador encarar como estreia uma obra que já nasceu adulta, encharcada pela maturidade em cada nota ou mínima fração vocal. Em uma travessia essencialmente coesa, esquiva de excessos e possíveis instantes de morosidade – são apenas dez faixas -, o quinteto parece interpretar cada composição do trabalho um fragmento de fato necessário para o crescimento da obra. Arranjos marcados pelo frescor, voz louca e lírica tão vasta, que cada curva do disco esconde um universo totalmente novo ao visitante. De fato, um imenso o Sertão Urbano como anuncia a canção homônima, um domínio quase particular, porém, aberto em essência ao visitante.

 

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.