Disco: “Cerulan Salt”, Waxahatchee

/ Por: Cleber Facchi 13/03/2013

Waxahatchee
Alternative Rock/Female Vocalists/Indie
https://www.facebook.com/waxahatchee

 

Por: Cleber Facchi

Waxahatchee

O rock da década de 1990 pode até ser lembrado pela construção de obras icônicas da cena alternativa – entre elas Nevermind do Nirvana, Loveless do My Bloody Valentine ou mesmo OK Computer do Radiohead -, mas é na voz das mulheres e na maneira como as confissões foram abordadas que o panorama musical da época conseguiu se sustentar para além do médio público. Dos versos tragi-cômicos de Liz Phair em Exile in Guyville (1993) aos sons nada polidos de PJ Harvey no ainda hoje sufocante Rid of Me, até o fascínio pop de Alanis Morissette em Jagged Little Pill (1995), a exaltação do espírito feminino banha a produção musical da época de forma decisiva, um contraponto ao descompromisso pop que embalou os anos 1980.

Assumindo as mesmas referências de forma quase confessa, a cantora e compositora nova-iorquina Katie Crutchfield faz do segundo álbum solo não apenas um ponto de aproximação com os sons lançados há duas décadas, mas talvez o melhor disco dos anos 1990 apresentado nos dias atuais. Parcialmente oculta sob o curioso pseudônimo de Waxahatchee (uma menção à região de mesmo nome próxima de um lago no Alabama, onde os pais de Crutchfield mantém uma casa), a artista transforma todos os sentimentos (doces e amargos) na matéria-prima que alimenta Cerulean Salt (2013, Don Giovanni). Conjunto de fragmentos (quase) sempre dolorosos, o disco traz nas guitarras e versos da cantora uma das obras mais confessionais dos últimos anos.

Para quem já estava habituado à total entrega de Mackenzie Scott no primeiro álbum como Torres é bom se preparar: Crutchfield consegue ir ainda além dos limites e dores que amargam o trabalho da conterrânea. Enquanto a responsável por Honey e When Winter’s Over se acomoda em um acolchoado de músicas sofridas e instrumentalmente bem delineadas, Katie faz do novo disco um trabalho uma coleção de recortes crus. São pedaços musicados de carne ou destroços do coração arremessados sobre bases simplistas. Nada que PJ Harvey já não tenha conquistado desde o lançamento de Dry em 1992, ou mesmo Chan Marshall durante os anos “alcoólicos” como Cat Power, principalmente em Moon Pix (1998). A diferença está no fato de que a cantora surge em meio a um cenário movido pela morosidade, sendo quase um corte brusco e doloroso como deixa crescer na execução de Waiting.


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Se existe força no trabalho de Crutchfield e esforço para quase vomitar todos os sentimentos para fora, muito disso vem do envolvimento da cantora com o (pop) punk do P.S. Eliot, projeto anterior ao Waxahatchee. Ainda que as letras banais de Like How You Are e We’d Never Agree se apresentem como versões em miniatura do que a norte-americana sustenta na atual fase, todo o sucesso do presente registro e os picos de raiva que ele permite crescer vêm dessa mesma época. É como se Katie tivesse descoberto que para alcançar faixas como Lips and Limbs ou Blue Pt. II não fosse necessário gritar, mas apenas espremer os versos de forma tão dolorosa e íntima que ao atingir os ouvidos do ouvinte a dor se manifesta de forma ainda mais intensa.

Embora conte com um bem sucedido álbum lançado um ano antes, American Weekend (2012), você não precisa ir além do novo registro para se deixar conduzir e hipnotizar pelo trabalho de Crutchfield. Recheado por 13 composições tomadas pela honestidade, o projeto acaba dividido em dois blocos bem específicos de sons. Enquanto a primeira metade parece pontuada de maneira amarga pela raiva direcionada da artista, a segunda lentamente se acomoda em calmaria e pequenas doses de aceitação. Assim como a não linearidade dos sons e temáticas que abastecem o disco (vide o contraste abrupto entre Brother Bryan e Coast to Coast), Cerulean Salt é um registro que flutua por fluxos sem qualquer aproximação. São canções de desamor, porém, observadas em diferentes períodos de tempo ou experiências.

Não há segredo em torno do disco. Tudo se constrói em cima de uma base simples de guitarras, batidas tímidas e os vocais mezzo berrados, mezzo açucarados de Crutchfield. Produtor do disco, Kyle Gilbride surge como figura quase despercebida durante a extensão do trabalho, afinal, mesmo que fosse apenas Katie, seus poemas e uma gravação caseira, o disco provavelmente teria o mesmo impacto. A grande beleza de Cerulean Salt reside na forma sentimental e ao mesmo tempo consciente como dilui suas críticas, arrependimentos e até gritos há tempos abafados – o mesmo som há tempos esquecido por PJ Harvey. Embora até alcance um caráter doloroso na maior parte do tempo, o álbum está longe de se apresentar como um invento de natureza sofrida, afinal, trata-se de uma obra de extrema libertação.

 

Waxahatchee

Cerulean Salt (2013, Don Giovanni)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Cat Power, Liz Phair e PJ Harvey
Ouça: Coast To Coast, Peace and Quiet e Hollow Badroom

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.