Disco: “Confundindo Sábios”, Rashid

/ Por: Cleber Facchi 27/09/2013

Rashid
Brazilian/Hip-Hop/Rap
http://rashid.com.br/

Por: Cleber Facchi

Rashid

O efeito melancólico e o teor sombrio dos versos instalados em Que Assim Seja (2012), por vezes aproximavam Rashid de um cenário triste de desfecho. Morte, fé e despedida são alguns dos temas encontrados em grande parte da segunda mixtape do paulistano, obra que mesmo amortecida em uma névoa cinza de palavras – bem representada em canções como Drama e Se O Mundo Acabar -, manteve a produção do rapper em alta, apenas, sorumbática. Como se o próprio se reerguesse do lodo amargo dos versos impostos no último ano, Confundindo Sábios (2013, Independente), terceira e mais recente obra do artista, substitui o sentido de depressão e abandono pela esperança, como se as trevas quase generalizadas de outrora, abrissem as cortinas para a luz.

Ponto de encontro entre a sobriedade do álbum passado e o fino toque melódico de Dádiva e Dívida (2011), obra que apresentou oficialmente o trabalho do rapper, com o presente disco Rashid não apenas potencializa a grandeza dos temas, como amadurece de forma visível na construção das bases sonoras, e principalmente na forma como os versos são apresentados. O discurso do paulistano ainda se mantém tão afiado quanto no EP Hora de Acordar (2010), talvez mais rebuscado, navalhando com toques de crueza marcas cotidianos que passeiam pela periferia, discorrem sobre política e, pela primeira vez, falam sobre amor sem qualquer tropeço clichê.

Partilhando conceitos que se escoram de forma (quase) confessa na obra de parceiros como Projota e Emicida, Rashid divide novo o trabalho em duas frentes claras de composições. A primeira, agressiva e direta, bate de frente contra o medo e a intolerância (Virando a Mesa), percorre o cotidiano das periferias (Um Sonho Só) e apresenta ao público uma das canções mais sóbrias no que tange o percurso dos desfavorecidos, em Policia e Ladrão. De arquitetura simples, a faixa produzida por Dj Zala encontra em uma rápida passagem pelo funk o alicerce musical para que versos como “O bolso vazio é um veneno, eu sei, o corre é pra ficar melhor/ Eles nem leem meu currículo mesmo, como se a cor me fizesse pior” sejam apresentados. Com atenção, o rapper parece olhar para todos os lados, sem exclusões.

Como uma forma de talvez “amenizar” essa exposição sombria que cresce pelo trabalho, Rashid amplia ao longo do álbum uma segunda frente de composições abrandadas, de rima cotidiana e até próximas do pop. “Crime perfeito, mata minha saudade, não deixa nenhuma pista, fuga em velocidade/Sei que ela é de verdade, mas parece mentira e se passar da dose certa com certeza você pira” derrama delicadamente o rapper no romantismo de Vício, faixa em parceria com Tássia Reis e canção que mergulha de forma comercial no R&B. O mesmo efeito se repete em A Fila Anda, outro exemplar da maestria do rapper com os versos de apelo melódico, ou mesmo Vagabundo Qualquer, música que traz na esperança e no jogo de rimas plásticas um contraste ensolarado ao que o toque sombrio do disco por vezes tenta sufocar.

Se Rashid chega para confundir, então saiba que ele não está sozinho. Enquanto nas duas primeiras mixtapes a presença dos convidados vinha como um mero complemento ao disco, por vezes até desequilibrando o fechamento da obra, hoje cada artista que passa pelo novo álbum serve de sustento ao resultado final do trabalho. Kamau em Um Sonho Só ou Emicida na faixa-título, Skeeter na produção ou o velho parceiro DJ Caíque, todos parecem cercados dentro da identidade particular do disco, evitando deslizes ou como se mesmo os pequenos erros fossem parte do universo próprio da obra.

Mesmo apresentado em pequenas doses ao longo dos meses – faixas como Nada Pra Ninguém, A Fila Anda, Mil Cairão e Virando A Mesa já são velhas conhecidas do público -, o presente disco chega em um sentido de ineditismo. Límpida e construída em cima de um jogo cuidadoso de samples (algo visível logo na abertura do trabalho), a mixtape esforça no cuidado estético um caminho seguro para que a rima sólida do paulistano ecoe com sobriedade, talvez direcionada a quem nunca fosse ouvir o trabalho. Se há pouquíssimo o rapper era apenas mais um na avalanche de artistas que ocupavam (e ocupam) o novo rap nacional, hoje ele assume a dianteira, comprovando que em um cenário onde muito já foi dito, Rashid ainda tem muito a dizer.

 

Rashid

Confundindo Sábios (2013, Independente)

Nota: 8.8
Para quem gosta de: Projota, Emicida e Kamau
Ouça: Virando a Mesa, Confundindo Sábios e Vício

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.