Disco: “Crônicas da Cidade Cinza”, Ogi

/ Por: Cleber Facchi 23/07/2011

Ogi
Brazilian/Rap/Underground Hip-Hop
http://www.myspace.com/ogidocontra

Por: Cleber Facchi

Crônicas da Cidade Cinza é como um daqueles livros que você encontra ao acaso em alguma livraria, acaba gostando da capa, compra sem dar muito crédito, mas acaba se surpreendendo com o enredo. Em 19 capítulos, um desconhecido autor suburbano denominado Ogi cruza personagens, assume uma postura autobiográfica, conta histórias, desabafa, inverte lógicas, metaforiza acontecimentos, tudo isso enquanto vai delimitando um cenário, uma cidade que prende a atenção do leitor, um universo acinzentado, mas que é capaz de dar vidas a grandes histórias. Um registro que parece ficção, mas que se baseia inteiramente em histórias reais.

Uma das seis partes que dão vida ao coletivo de Hip-Hop Contra Fluxo, Rodrigo Hayashi, ou simplesmente Ogi se afasta momentaneamente do grupo que já vem acompanhando desde 2003 – com o qual já lançou dois álbuns de estúdio, Missões e Planos (2005) e Super Ação (2007) -, motivo mais do que explicado mediante a apresentação de seu primeiro e grandioso álbum. Em quase duas dezenas de faixas, o rapper segue dentro dos mesmos limites e possibilidades lançados através do trabalho com seus parceiros do CF, porém, ampliando seus horizontes e fazendo de seus versos um mundo repleto de novas histórias.

“Eu conto historias das quebradas do mundaréu. Lá de onde o vento encosta o lixo e as pragas botam os ovos. Falo da gente que sempre pega a pior, que come da banda podre, que mora na beira do rio e quase se afoga toda vez que chove…”. Mesmo que abra o trabalho em meio a versos pessimistas do dramaturgo e jornalista Plínio Marcos, ao longo do álbum Ogi tenta de todas as maneiras movimentar através de suas histórias personagens otimistas, gente que enfrenta as dificuldade lançadas em seu cotidiano e nãos e deixa abater. Indivíduos que mesmo inspirados em personagens reais de uma São Paulo dos tempos presentes, se encaixam com perfeição na vida de outros personagens, seres vindos de outras metrópoles, ou de cidades talvez nem tão grandiosas.

Por mais que cada história lançada ao longo dos 50 minutos de disco se movimentem como reais pequenas crônicas, aplicando relatos ampliadas de começo, meio e fim, suas estruturas vão para muito além de meros emaranhados de palavras, em que cada pequena canção abre um vasto leque de possibilidades e distintos olhares. Dessa forma, cada mínima composição cantada ou versada por Ogi ao longo do registro apresenta pequenas epopéias, faixas que parecem se ampliar em cada nova audição, como se verdadeiros filmes fossem se construindo em nossa mente,

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Sejam as dificuldades financeiras retratadas pelas analogias de Corrida dos Ratos (uma das melhores composições do disco), o ponto de vista e o cotidiano de um policial em Por Que, Meu Deus?, ou mesmo todas as dificuldades de um motoboy em Profissão Perigo, cada uma das composições crescem substancialmente em seu decorrer, fazendo surgir não mais crônicas, mas imensos contos ou talvez grandes romances em meio as batidas e samplers que pouco a pouco vão recheando os ouvidos.

Se a estreia de Ogi se orienta como um livro, talvez uma coletânea, este não é um tratado desenvolvido através das experiências e da figura única do rapper. Para dar vida e sustentação ao disco, o paulistano foi atrás de uma série de produtores e outras figuras já reconhecidas dentro do hip-hop nacional. Surgem assim, participações como as de Lurdez da Luz em Os Tempos Mudam, Rodrigo Brandão (Mamelo Sound System) em Tamo Aí no Role, da dupla de rappers Espião e Munhoz em Monstro Gigante, além de uma vasta presença de produtores, indivíduos que montam boa parte das bases para que Ogi possa passear tranquilamente distribuindo seus versos.

Entre tantas participações, uma em especial se destaca no passar das faixas, sendo presença garantida em cada uma das composições do álbum. Uma participação que talvez não venha catalogada no encarte do trabalho, mas um personagem que orienta toda a obra do rapper: a cidade de São Paulo. Muito mais do que um simples cenário, a grande metrópole cinza ganha vida, muitas vezes de forma sombria, como em sua versão tenebrosa em Monstro Gigante (“O monstro parece de prédios, ruas, viadutos, que devora tudo… Nessa cidade de santo é só o nome/ O esgoto suja o rio, o prédio arranha o céu”), mas sempre definido os rumos e as histórias que a cercam.

Construído com visível esmero e qualidade técnica, tanto na condução de seus versos quanto de suas batidas, o álbum surge para posicionar de maneira definitiva a figura de Ogi como um dos grandes nomes do rap nacional, sendo de longe um dos melhores discos do gênero a serem lançados em 2011.Crônicas da Cidade Cinza é como um daqueles livros que você encontra ao acaso em alguma livraria, acaba gostando da capa, compra sem dar muito crédito, mas que acaba se transformando em um verdadeiro clássico logo que a leitura chega ao fim.

Crônicas da Cidade Cinza (2011, 360º Rercords)

Nota: 8.3
Para quem gosta de: Contra Fluxo, Criolo e Emicida
Ouça: Monstro Gigante e Corrida dos Ratos

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.