Disco: “Currents”, Tame Impala

/ Por: Cleber Facchi 10/07/2015

Tame Impala
Psychedelic/Experimental/R&B
http://www.tameimpala.com/

Olhe para a capa de Currents. Uma sequência de linhas retas, paralelas perfeitamente alinhadas. De repente: um susto. A interferência de um estranho objeto esférico, algo que “não deveria estar ali”. Agitação, desordem, caos. Antes organizadas, perfeitamente posicionadas, as retas de cores sóbrias agora se desmancham em uma corredeira instável, psicodélica. Um tracejado irregular, cheio de curvas, novas cores e caminhos talvez indefinidos.

“Em mecânica dos fluidos, um estudo dos efeitos do escoamento de fluidos na redondeza – troca de forças e energia -, o escoamento chega laminar (ordenado) até a interferência onde se formam regiões de turbulência. A diferença de pressão entre o fluido que bateu no cilindro e o fluido que está atrás dele gera a turbulência. Note que a capa do single Let It Happen, primeira canção do disco, ainda mostra o escoamento ordenado”*.

Lembrou de alguma coisa?

Muito além do caráter técnico, um simples “ilustração”, a imagem assinada pelo artista gráfico e músico norte-americano Robert Beatty resume com naturalidade a curta trajetória do Tame Impala. Enquanto a psicodelia suja e forte relação entre Innerspeaker (2010) e Lonerism (2012) representa a linearidade assumida pela banda nos últimos anos, os quase oito minutos de experimentos eletrônicos, colagens e adaptações de Let It Happen, faixa de abertura do presente álbum, revela a passagem para um caminho sinuoso, propositadamente instável, turbulento, que o grupo australiano assume no presente registro.

Led Zeppelin virou Bee Gees, The Flaming Lips encontrou Toro Y Moi, enquanto Britney Spears, confessa influência de Kevin Parker em Lonerism, agora abre espaço para a chegada de Michael Jackson. Como não lembrar de clássicos como Thriller (1982) e Bad (1987) quando começam as batidas dançantes de The Moment? E o que dizer de Past Life, música que vai do Synthpop ao R&B dos anos 1980 em segundos. A essência psicodélica da banda ainda é a mesma dos primeiros discos, porém, agora aparece em segundo plano, dissolvida em meio as emanações vocais de Parker, um romântico em cada movimento lírico do trabalho.

Obra de sentimentos, Currents sustenta nos versos uma rara exposição de Kevin Parker. Trata-se do álbum mais intimista, doloroso e, ainda assim, acolhedor já montado pela banda. Canções marcadas por pedidos de desculpas (‘Cause I’m A Man), relacionamentos fracassados (Eventually) e até mesmo versos costurados pelo mais profundo sofrimento (The Less I Know The Better). Uma constante sensação de que todo o arsenal melancólico do álbum anterior – caso de She Just Won’t Believe Me e Why Won’t They Talk To Me? – “floresceu” dentro do campo fértil de sintetizadores que se espalha do primeiro ao último instante da obra.

Próximo e ao mesmo tempo distante da sonoridade incorporada até o último disco, Currents sustenta durante toda a execução pequenas pontes instrumentais para o álbum de 2012. É o caso de Disciples, uma rápida passagem pelo mesmo rock psicodélico (e nostálgico) das primeiras canções da banda. E o que dizer de The Less I Know The Better, composição que poderia facilmente ser encontrada dentro do primeiro álbum do grupo. No restante da obra, o completo domínio dos sintetizadores, instrumento que não apenas oculta (temporariamente) as guitarras, como aproxima o grupo de todo um novo mundo de possibilidades eletrônicas (Let It Happen), além de diálogos com a música pop (The Moment) e até Hip-Hop (Past Life).

Ao fundo de cada faixa, um universo imenso, repleto de fórmulas instrumentais complexas, texturas e arranjos que visitam diferentes campos da música. Logo, ao explorar o cenário criado por Kevin Parker, o julgamento binário de “gostei” ou “não gostei” é instantaneamente derrubado. Não se trata mais e “sim” ou “não”, mas de quanto tempo será necessário até que Currents convença o ouvinte.

Currents (2015, Modular / Interscope)

Nota: 9.5
Para quem gosta de: Unknown Mortal Orchestra, Neon Indian e Michael Jackson
Ouça: Eventually, The Less I Know The Better e ‘Cause I’m A Man

*Lucas Silva, amigo e Engenheiro Mecânico.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.