Disco: “De dentro da gaveta da alma da gente”, Fernando Temporão

/ Por: Cleber Facchi 20/11/2013

Fernando Temporão
Brazilian/Indie/Alternative
http://www.fernandotemporao.com.br/

Por: Cleber Facchi
Fotos: Daryan Dornelles

Fernando Temporão poderia ter seguido a trilha redundante de boa parte da nova safra da MPB. Felizmente resolveu ir além. Livre das manipulações convencionais que se espalham de forma silenciosa pela cena nacional, o cantor e compositor carioca trouxe na grandeza da música pop um princípio básico de transformação. Ensolarado em essência, De dentro da gaveta da alma da gente (2013, Independente), álbum de estreia do músico, é uma obra que brinca com as melodias e resgata velhas experiências dentro de arranjos marcados pelo novo. Um passeio específico por traços específicos da música brasileira, mas que encontra no manuseio colorido das palavras um atrativo lógico para os mais distintos públicos.

Construído em cima de faixas que mais parecem diálogos ou traços cotidianos de fluência mansa, o disco segue até a última música em um estágio de conforto que aos poucos circunda o ouvinte. Parte desse resultado vem da lírica apaixonada do compositor, um exercício que preenche, escora e movimenta cada traço poético que garante vida ao trabalho. Da abertura (“Quem vai te deixar sem par? não eu”) ao fechamento (“Feito o querer e quem quer/ Mais uma vez um novo amor?”), Temporão assume com leveza os próprios sentimentos, exercício que se orienta como um caminho direto para atrair o ouvinte.

Longe de parecer monotemático, ou de aportar em um território desgastado dentro do cenário recente, o cantor assume nas bases instrumentais o princípio para a chegada dos versos. É como se cada palavra espalhada pelo disso fosse planejada como um complemento aos sons, algo explícito no movimento suingado de Dois pra lá como no toque acelerado de Corda Bamba. Assim, tanto o jogo versátil das guitarras como o catálogo de sintetizadores e batidas entregam as pistas e ampliam o território, deixando para as confissões românticas do músico o ponto de maturação. A estrutura faz nascer desde músicas consumidas de forma clara pela simplicidade, caso de Bambolê, até faixas de pura delicadeza confessional, algo que a doce O que é bonito assume como uma das mais belas canções de amor apresentadas durante o ano.

O cruzamento dinâmico entre sons e versos surge como uma representação clara da presença de Kassin como produtor do disco. Como se limasse toda a excentricidade exposta em Sonhando Devagar (2011), o músico carioca orienta a construção do álbum em um fluxo leve e despretensioso, exercício que contribui para a delicadeza lírica de Temporão. Em Cá pra nós, por exemplo, a presença do produtor é tão explícita, que o ouvinte parece transportado para mesma tonalidade exposta em Futurismo (2006), do projeto +2, sentimento reforçado na presença de Domenico Lancellotti na bateria. Todavia, longe de se revelar como uma típica obra de produtor, a canção (e a obra de maneira geral), regressa a todo o instante aos vocais e rumos do próprio criador, reforçando a identidade ativa desde a primeira música.

De estrutura ascendente e festiva, De dentro da gaveta… se esquiva com cuidado de faixas próximas de um resultado “sombrio”. Mesmo com o título de Melancholica, a sexta canção do disco em nenhum momento arrasta o álbum para um território de sofrimento, formato que Sem cair do céu até tenta anunciar com parcimônia, mas logo regressa ao eixo inicial imposto para a formação do álbum. Trata-se de uma obra movida em essência pela celebração, pela felicidade em estar completo e o sentimento pleno de acreditar no amor, um enquadramento que na maioria dos casos é sufocado pela dor extrema e a saudade.

Dos vocais que remetem à Cazuza, aos arranjos que carregam o mesmo perfume de Marcelo Jeneci, passear pelo disco é como esbarrar em traços específicos de diferentes fases da nossa música. Entretanto, longe de se acomodar em um catálogo desgastado, Temporão encontra na fluidez dinâmica dos sons e no manuseio particular dos arranjos um princípio de fortalecimento. São guitarras que se costuram aos versos, batidas que seguem as rimas, instrumentos capazes de assumir novo rumo a cada instante. Bastam os segundos iniciais da simpática Bambolê, para perceber a trilha que orquestra o álbum com acerto até o último segundo. Não existem bloqueios, apenas um caminho aberto e que se mantém atento até que o verso final seja anunciado com sorriso.

Fernando Temporão

De dentro da gaveta da alma da gente (2013, Independente)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Marcelo Jeneci, Kassin e Wado
Ouça: Cá pra nós, O que é bonito e Corda Bamba

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.