Disco: “Dirty Gold”, Angel Haze

/ Por: Cleber Facchi 10/01/2014

Angel Haze
Hip-Hop/Rap/R&B
http://www.angelhazemusic.com/

Por: Cleber Facchi

Angel Haze

Ser absorvida pela indústria da música se transformou em uma benção e ao mesmo tempo uma maldição para Angel Haze. Se por um lado a entrada no catálogo dos selos Republic e Island – parte da gigante Universal -, garantiu ao primeiro álbum da rapper o acesso ilimitado a grandes estúdios, produtores e todo um conjunto de elementos restritos para boa parte dos artistas independentes, por outro lado, os grilhões de uma grande gravadora tiraram de Haze o domínio da própria obra. Controlada pelas linhas de um contrato, a rapper viu o aguardado Dirty Gold (2013, Republic/Island) ser adiado por diversas vezes ao longo de 2013, encontrando uma data de lançamento somente no dia 30 de Dezembro – um dos períodos mais ingratos para a estreia de qualquer disco.

O atraso, o descaso da gravadora e a angústia da própria rapper estão longe de sufocar a autonomia do registro, que independente do formato ou qualquer outro bloqueio específico, se sustenta de forma assertiva em totalidade. Naturalmente distante da composição estética anunciada por Haze em seus primeiros lançamentos – caso de New York EP ou das mixtapes Reservation e Classik -, Dirty Gold é uma típica obra remodelada para atender as exigências grande público, o que não quer dizer que a rima particular da norte-americana tenha perdido sua autenticidade, apenas encontrou um nova caminho para brilhar.

Como Echelon (It’s My Way) e A Tribe Called Red conseguiram antecipar há poucos meses, cada instante do registro se divide entre a crueza urbana das rimas e as melodias plásticas das bases. Soando como versões encorpadas daquilo que a rapper trouxe em Werkin Girls, No Bueno e parte das primeiras composições, o disco curiosamente parece assumir a mesma curva radiofônica da rival Azealia Banks, substituindo a proposital mutabilidade da rapper nova-iorquina por um conjunto de referências aproximadas. Assim, da particular Sing About Me, na abertura do álbum, até a chegada da homônima faixa de encerramento, cada música do disco partilha a mesma estrutura, garantindo ao registro um evidente tratamento homogêneo e coerência.

Mais do que costurar uma mesma composição instrumental para o registro, Haze encontra na sobriedade do discurso um inevitável caráter conceitual para a obra. Boa parte das canções projetadas pelo disco carregam monólogos, entrevistas e opiniões amargas lançadas pela rapper, que entre faixas como Black Dahlia, White Lilies / White Lies e Black Synagogue aprofunda com detalhe a composição de um universo particular. O melhor recorte da obra talvez esteja na abertura de A Tribe Called Red, quando Haze define de maneira atenta todo o propósito do trabalho, a temática que ocupa as composições, bem como a própria vida – “Minha identidade é a música, tudo o que você precisa saber sobre mim é a música, a minha casa é a música, é onde eu nasci“.

Acompanhada de perto por nomes como Markus Dravs (Arcade Fire, Björk), Sia e Mike Dean (Jay-Z, Kanye West), Haze (de maneira quase assombrosa) transforma versos de difícil digestão e canções de forte apelo comercial. São temas pesados como estupro, abuso sexual e religião (bem concebido na extensa Black Synagogue), mas que estranhamente ecoam de forma melódica em uma rápida passagem pela obra. A aproximação coesa com o R&B (da década de 1990) e outros elementos da EDM possibilitam o crescimento de faixas íntimas do público médio, caso de Battle Cry e Planes Fly. São músicas que dançam pelas palavras e arranjos em uma atmosfera de visível desgaste emocional, mas que em nenhum momento se esquivam da moldura pop incorporada com atenção pelos produtores.

Ainda que o desinteresse – ou seria controle excessivo? – da gravadora tenha barrado uma possível aproximação de Haze com o grande público, no que diz respeito aos antigos seguidores da artista, Dirty Gold é um evidente ponto de maturidade. A rapper não apenas se livrou do próprio hermetismo lírico, como conseguiu ir além, brincando com o pop em uma composição de expressiva autenticidade. Construído para talvez disputar espaço com Danny Brown, A$ap Rocky e todos os grandes representantes do Hip-Hop no último ano, Dirty Gold é uma obra que vai além de datas, gêneros ou de um público específico, prova de que mesmo saindo atrasada, Angel Haze conseguiu um lugar de destaque antes mesmo da reta final.

 

Angel Haze

Dirty Gold (2013, Republic/Island)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Azealia Banks, M.I.A. e A$ap Rocky
Ouça: A Tribe Called Red, Battle Cry e Black Synagogue

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.