Disco: “Doris”, Earl Sweatshirt

/ Por: Cleber Facchi 20/08/2013

Earl Sweatshirt
Hip-Hop/Rap/Alternative
http://earlsweatshirt.com/

 

Por: Cleber Facchi

Earl Sweatshirt

Para muita gente Earl Sweatshirt talvez seja apenas mais um dos estranhos integrantes do Odd Future a tentar alguma coisa em fase solo. Uma versão em miniatura daquilo que Tyler The Creator, o “perturbado” líder do coletivo, vem desenvolvendo desde a última década, quando o projeto que concentrava jovens rappers da cena californiana foi oficialmente apresentado. Quem embarcar no universo arquitetado para Doris (2013, Columbia/Tan Cressida), estreia de Sweatshirt, sob essa lógica talvez acabe surpreso com o resultado. Distante da proteção dos companheiros de “banda”, o jovem rapper não apenas busca expandir um território próprio, como parece pronto para bater de frente com outros gigantes do gênero – sejam eles parceiros do OFWGKTA ou indivíduos que escapem desse cenário.

Na contramão de quem previa uma sequência da relação com Frank Ocean, em Super Rich Kids, ou mesmo em parceria com Flying Lotus, na estreia do Captain Murphy, Earl usa do presente registro como uma imersão em um cenário próprio, obscuro, quase alinhado de forma paralela ao nosso. Como as paisagens soturnas de Chum haviam anunciado no último ano, trilhar o caminho aberto do registro é como se deparar com uma versão em preto e branco de nosso próprio cotidiano, deturpada sob a ótica torta e naturalmente solitária do rapper. Aqui não há família, não existem cores ou qualquer forma de apoio, sendo o abandono o único destino certo para os personagens que cruzam o trabalho ou mesmo para o próprio ouvinte.

Se Tyler The Creator havia tratado com melancolia e confissão boa parte das faixas que recheiam Wolf (2013), último lançamento de estúdio do rapper, em Doris, Sweatshirt usa do mesmo sentimento como uma forma de abastecer cada uma das faixas. Ainda que determinadas músicas tentem falsear esse exercício amargo que se derrama pela obra, quanto mais o ouvinte visita o trabalho, mais ele parece sugado e ambientado dentro desse propósito. São composições que detalham a ausência paterna, assumem o medo da morte e encontram nas drogas uma forma alternativa de escapar desse ambiente desconsertante, algo bem representado nos versos de Sunday: “Nightmares got more vivid when I stopped smoking pot/ And loving you is a little different, I don’t like you a lot”.

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Parte especifica do que amplia o desespero em torno da obra, vem diretamente da sonoridade homogênea que conduz o álbum. Em um caminho de oposição ao que Tyler The Creator, Domo Genesis ou mesmo a dupla Hodgy Beats e Left Brain desenvolvem com o MellowHype, Sweatshirt mantém o pulso firme na produção, fazendo com que mesmo faixas assinadas por diferentes produtores, pareçam filtradas e entregues como parte de uma massa única de sons. Dessa forma, tanto Burgundy, cuidadosamente esculpida pela dupla The Neptunes parece se relacionar musicalmente com Hoarse, invenção soturna entregue aos comandos jazzísticos do BADBADNOTGOOD. Earl poderia apenas ter entregue as rimas, felizmente ele resolveu ir além.

Outro aspecto curioso em Doris, e que parece não se repetir nos demais lançamentos do Odd Future, está no limite constante entre o comercial e as barreiras que o disco automaticamente impõe. Por mais sombrio que seja o exercício exposto por Sweatshirt ao longo da obra, se desvencilhar das rimas bem posicionadas de Burgundy, Chum, Guild e diversas outras músicas espalhadas pela obra parece impossível. É como se a cada passo torto do rapper, o ouvinte fosse intencionalmente forçado a seguir o mesmo percurso, tropeçando e seguindo pelo mesmo ambiente à meia luz que cresce entre as faixas. Doris é uma obra que exclui qualquer forma de certeza, mas ainda assim entrega pistas convincentes ao ouvinte.

Como um exercício claro de quem ainda parece descobrir o próprio universo, Earl atravessa toda a obra em um estágio de atenção constante, observando o crescimento das faixas, ao mesmo tempo em que prepara o terreno para um novo lançamento – o já anunciado Gnossos. Mesmo que cada música cresça em um universo específico do rapper, as frestas abertas durante o trabalho deixam claro que a visão “deturpada” de Doris talvez seja a representação exata de um cenário tão realista quanto qualquer outro, esteja ele posicionado nas ruas de Los Angeles ou na mente fragmentada de Sweatshirt.

 

Earl Sweatshirt

Doris (2013, Columbia/Tan Cressida)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Tyler The Creator, OFWGKTA e MellowHype
Ouça: Chum, Sunday e Burgundy

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.