Disco: “Double Cup”, DJ Rashad

/ Por: Cleber Facchi 24/10/2013

DJ Rashad
Electronic/Juke/Hip-Hop
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Por: Cleber Facchi

DJ Rashad

É difícil – quiçá impossível – não se deixar conduzir pelas vozes etéreas e batidas tortas que o Ghetto House de DJ Rashad expressa em cada faixa. Um dos nomes mais bem conceituados da presente cena de Chicago, o produtor norte-americano encontra em Double Cup (2013, Hyperdub) não apenas um ponto de consistência dentro das texturas que vem desenvolvendo há anos, mas um princípio para escrever uma nova página dentro da Eletrônica/Hip-Hop estadunidense. Catálogo atento de inventos, o registro seleciona o que há de mais provocante no acervo particular de seu criador, favorecendo uma brecha curta ao visitante, mas uma resposta à altura do que ocupa há quase uma década o cenário britânico.

Da cama às pistas, do erotismo à exaltação, com o presente álbum Rashad encontra um princípio atento para brincar com as percepções do ouvinte, não em instantes,  mas a todo o momento. Feito para ser apreciado no isolamento do espectador, Double Cup manifesta em cada canção específica um condensado imenso de pequenas referências. São décadas e traços de diferentes aspectos da produção eletrônica, atravessando o oceano ou mesmo olhando com maior atenção para a própria cena local. Dos ecos do Hip-Hop nos anos 1990 aos traços autênticos do UK Garage, do princípio da House Music ao enquadramento denso da obra de J Dilla, não há começo e nem fim no jogo de experiências particulares que atravessam o disco.

Embora observado de forma coesa quando posto em unidade – como se cada música fosse um bloco para a muralha que Rashad arquiteta ao fecho da obra -, Double Cup é um disco que força o ouvinte a observar as canções individualmente. Esse resultado é parte natural do catálogo de experiências instrumentais que o produtor espalha em cada composição. Movido em essência pelo detalhe, o álbum condensa nas músicas um acervo rico de interferências instáveis, como se discografias, cenas específicas ou mesmo décadas de produção fossem diluídas e concentradas. Mais do que um cardápio recente de emanações particulares, o álbum é a manifestação de décadas de audições atentas do próprio produtor, o que por si só obriga o ouvinte a regressar diversas vezes ao interior da obra.

O mais curioso dentro desse resultado não está na lista imensa de experiências que Rashad revela, mas na forma como essa proposta funciona com acerto em canções naturalmente efêmeras. Desenvolvido em cima de faixas que nunca alcançam os cinco minutos – Feelin, a “maior” canção do disco contabiliza curtos quatro minutos e 33 segundos de duração -, Double Cup reforça a todo o momento a capacidade do produtor em diluir referências, uma constante para a formação do disco. Em Only One, por exemplo, enquanto as bases letárgicas do R&B guiam a faixa, vozes picotadas, sintetizadores e uma quebra constante nas batidas alteram com naturalidade os rumos do produtor, arremessando o ouvinte para várias direções em pouco mais de três minutos.

Sem se desviar da estética autoral que apresenta logo nos instantes iniciais do álbum, Rashad, na contramão de outros produtores, assume um posicionamento próximo do comercial. Basta observar a forma como as melodias e beats fluem Show U How ou a maneira como Everyday of my Life dialoga com as pistas para entender isso. Por todo o disco, o produtor manipula as composições em um sentido atento de relação com o público, como se longe de mergulhar em um quarto abafado pelas próprias referências, o norte-americano estivesse interessado em apresentá-las. Dessa forma, como dito na abertura do texto, escapar da teia de inventos expostos pelo artista é um exercício que beira o impossível.

Mesmo rodeado de forma declarada por um time de colaboradores – Spinn, Taso, Earl, DJ Phil, entre outros -, Rashad revela em cada música um jogo de interferências muito maiores do que aquelas formalmente apontadas. São vozes aleatórias, samples pinçados de obras obscuras do Hip-Hop e até bases, que mesmo autorais, esbarram em conceitos próprios de outros artistas. Mais do que uma obra fechada, Double Cup é um trabalho que estranhamente clama pela interferência externa. É como se o disco aguardasse pela chegada das rimas de algum rapper (vide a composição de I Don’t Give a Fuck), ou mesmo o remix de outro produtor. Um resultado que, longe de ser encarado como um defeito do álbum, reforça a capacidade do artista em pensar para além dos limites do produto que carrega seu nome.

DJ Rashad

Double Cup (2013, Hyperdub)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Machinedrum, Spinn e Zomby
Ouça: Show U How, I Don’t Give a Fuck e Feelin

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.