Disco: “Dream River”, Bill Callahan

/ Por: Cleber Facchi 02/10/2013

Bill Callahan
Alt. Country/Folk/Singer-Songwriter
https://www.facebook.com/bathyspheral

Por: Cleber Facchi

Bill Callahan

Os anos de bebedeira, saudade e arranjos econômicos trouxeram apenas benefícios ao trabalho de Bill Callahan. Eterno responsável pelas emanações sujas e sempre alcoolizadas do Smog – grupo que assumiu com acerto durante mais de uma década de produção -, o cantor e compositor norte-americano chega ao quarto registro solo ampliando com beleza a própria depressão. Centrado em um universo de lamentos particulares, Dream River (2013, Drag City) se apresenta como uma extensão dos mesmos versos lacrimais aprimorados em Sometimes I Wish We Were an Eagle (2007), uma obra que parece inclinada a confortar a melancolia do ouvinte, mas talvez, apenas sirva para potencializá-la

De onde parou há dois anos com Apocalypse (2011), terceiro disco solo, Callahan abre as portas para o território de dores que flutuam entre o passado e o presente. São canções naturalmente pontuadas pela saudade, o abandono constante (muitas vezes de si próprio) e doses consideráveis de álcool, algo que The Sing, logo na abertura do álbum, entrega com verdadeira maestria e exagero. Afogado em mágoas (e cerveja), o músico atravessa a obra balbuciando palavras e vomitando sentimentos, efeito que converte o disco no trabalho mais honesto do cantor em tempos.

Como se estivesse apenas conversando com o espectador, ao longo da obra Callahan interrompe o registro por diversas vezes, sussurrando, contando histórias ou mesmo esparramando frases desconexas de parco efeito melódico. A amargura, tão comum na discografia do Smog, longe de se extinguir ao longo dos anos parece apenas ter sido aprimorada pelo músico. Atravessando conceitos muito próximo do que o The National conquistou recentemente em Trouble Will Find Me (2013), o cantor assume o mesmo posicionamento de Matt Berninger, sentando e observando diversos aspectos do próprio universo particular em sentido de aceitação. A tristeza há muito se transformou em uma constante na vida de Callahan.

O resultado desse estágio constante de desespero refinado faz nascer faixas como Winter Road, Ride My Arrow e Small Plane, canções que deixam as metáforas de lado para focar no próprio cotidiano amargo do compositor. Dream River, mais do que nunca, é uma obra de Callahan cantando sobre ele mesmo. Ainda assim, centrado na produção de um tratado particular, pela primeira vez o artista materializa a construção de um disco inteiramente próximo do público. Cada verso ou lamento proclamado pelo cantor se manifesta em um jogo de verdadeira identidade aproximada, como se o ouvinte fosse lentamente transportado para junto dos mesmos sentimentos que tanto sufocam o músico.

Mais do que investir com honestidade no manuseio das palavras, o que amplia a credibilidade do registro é a escolha de Callahan (e do produtor Erik Wofford) em finalizar um disco intencionalmente econômico. Tanto a guitarra de Matt Kinsey, como o manuseio preciso da percussão (o destaque do disco) chega de forma a circundar os vocais do cantor, fazendo valer o esforço intimista que inaugura o trabalho. A delicadeza dos arranjos é tamanha, que em diversos momentos – como Small Plane e Summer Painter – os sons quase desaparecem, deixando apenas a voz grave e as confissões cada vez mais sombrias do sofredor “personagem”.

Tão particular quanto os discos anteriores do músico, Dream River ameniza na mesma medida o instrumental amplo do álbum de 2009, como as canções extensas propostas no trabalho passado. Indisposto de um efeito imediato, o trabalho parece obrigar o ouvinte a se acomodar com calma na trama sombria das palavras, o que faz com que o tempo, mais uma vez, se converta como uma ferramenta nas mãos do cantor. Por hora, quem entrar no rio dos sonhos anunciado por Bill Callahan talvez se depare com um ondulado tímido das correntezas, mas que carrega na densidade dos sentimentos sua maior força.

 

Dream River

Dream River (2013, Drag City)

Nota: 8.2
Para quem gosta de: Lambchop, The National e Smog
Ouça: Ride My Arrow, Small Plane e Winter Road

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.