Disco: “É O Que Temos”, Bárbara Eugênia

/ Por: Cleber Facchi 10/04/2013

Bárbara Eugênia
Brazilian/Female Vocalists/MPB
http://www.barbaraeugenia.com/

 

Por: Cleber Facchi


Bárbara Eugênia foge à regra quando próxima de vozes recentes ou mesmo veteranas da música popular brasileira. Sem o descontrole lírico (e emocional) de Karina Buhr, distante dos gracejos pop de Tulipa Ruiz e raspando de leve na psicodelia nostálgica de Céu, a cantora traz nos vocais a principal arma para se apresentar e consequentemente seduzir o público. Com o acerto de quem pensa no trabalho de estúdio já visualizando o o cenário Ao Vivo, a artista carioca situada em São Paulo alcança o segundo registro solo aprimorando as experiências iniciadas há três anos. São composições que abandonam o ambiente à meia-luz de Journal de BAD (2010) para mergulhar o trabalho em um plano levemente ensolarado e às vezes até excêntrico.

Prosseguindo de onde Céu parece ter estacionado no último álbum, Caravana Sereia Bloom (2012), a artista encontra na produção fracionada entre Edgard Scandurra e Clayton Martins (da banda Cidadão Instigado) um caminho seguro para transitar por diferentes estágios e épocas da música. Ora apoiada em conceitos do rock psicodélico nacional da década de 1970, ora íntima de todo o erotismo derramado por Serge Gainsbourg no decorrer do mesmo período – extensão do que promove com Scandurra dentro do projeto Les Provocateurs -, Bárbara dança em um misto constante de provocação e sofrimento. Uma dicotomia que circula e abastece cada instante das 11 composições que se abrigam no disco.

Intitulado É O Que Temos (2013, Oi Music), o novo registro partilha de um conceito bastante específico: a sedução. Ciente do caráter voluptuoso da própria obra, Eugênia passeia pela essência de Gainsbourg e outros símbolos do erotismo musical, encontrando nas guitarras versáteis de Scandurra um apoio para reproduzir composições que naturalmente hipnotizam. Menos tímido que o antecessor, o novo disco traz no clima setentista da faixa de abertura boa parte dos engenhos que tratam de alimentar o restante do álbum. Composições movidas por uma estética econômica, solos alongados e que servem para destacar exclusivamente os vocais cada vez mais polidos e bem explorados da cantora.

Até a construção da sexta faixa do álbum, Sozinha (Me Sinto Solo), Bárbara e os parceiros de banda tratam de afundar o ouvinte em um mar quase infinito de sofrimento. Um trabalho que beira o desespero, mas nunca mergulha por completo nele. São composições amargas e que beiram o mesmo romantismo brega que o paulistano Pélico tratou de acertar no hoje clássico Que Isso Fique Entre Nós (2011). Por falar no músico, é ele o responsável por acrescentar beleza (e uma dose extra de melancolia) aos vocais de Roupa Suja, canção que engata a mesma medida de comoção e pós-relacionamento do clássico Porque Brigamos, faixa eternizada pela carioca Diana em 1972 e agora regravada por Eugênia.

É preciso notar que enquanto a primeira metade do álbum aprisiona a cantora em um composto de sons intencionalmente dolorosos, à medida que É O Que Temos se desenvolve, brilham pequenos experimentos capazes de romper com as limitações firmadas ao longo do último disco. Se por um lado Jusqu´à La Mort soa como se Nico encontrasse os mesmos sintetizadores ressuscitados pela dupla Air na obra-prima Moon Safari (1998), a faixa seguinte, Ugabuga Feelings, parece ir um pouco além. Com pouco mais de três minutos, a canção revela a face mais “nacional” de Bárbara, que incorpora tanto a herança de Gal Costa na década de 1970, como a estranheza de Karina Buhr no álbum Longe de Onde (2011). Um aquecimento para o conforto de Não Tenho Medo da Chuva (parceria com Tatá Aeroplano) ou a bucólica Ou To The Sun, canções que rompem com qualquer lógica previsível firmada no início do disco.

Mesmo tratando de cada faixa como uma relíquia individual e entregando a condução do álbum a dois diferentes produtores, o álbum chega de forma coerente ao final como uma obra única. Pinçando marcas distintas e em alguns instantes incompatíveis, o trabalho abriga cada faixa dentro de um ambiente coeso, trazendo no perfume exótico dos vocais de Bárbara Eugênia um mecanismo de uniformização e extrema relação entre as músicas. É O Que Temos parece ser “só” o que a cantora tem para oferecer, mas ao final, depois de tanta tristeza, volúpia e até certa dose de superação, acaba soando bem maior do que aparenta.


Bárbara Eugênia

É O Que Temos (2013, Oi Music)


Nota: 8.0
Para quem gosta de: Pélico, Karina Buhr e Céu
Ouça: Roupa Suja, Por Que Brigamos e Não Tenho Medo da Chuva

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.