Disco: “E Você Se Sente Numa Cela Escura…”, Jair Naves

/ Por: Cleber Facchi 20/09/2012

Jair Naves
Brazilian/Indie Rock/Alternative
http://www.jairnaves.com.br/

Por: Cleber Facchi

 

Enquanto o mundo segue por um caminho cego em busca da felicidade constante, dos prazeres e da nítida contemplação à vida, Jair Naves parece imerso uma proposta distinta, perseguindo de forma quase obcecada o oposto dessa necessidade. Talvez aos que ainda desconhecem a proposta incorporada pelo já veterano cantor, mergulhar no recém-lançado álbum solo de Naves estabeleça um lógico sentimento de surpresa, fruto do detalhamento amargurado e cru que o paulistano expressa de maneira (quase) descontrolada pelo presente trabalho. Entretanto, quem há tempos acompanha o cantor – dos primeiros discos com a extinta Ludovic ou desde o lançamento do EP Araguari (2010) – vai perceber que pouco se modificou na maneira como consegue nos impregnar e até comover com suas palavras.

Assim como o que fora testado nos discos Servil (2004) e Idioma Morto (2006), em E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas (sim, Naves é uma apaixonado por títulos extensos), somos apresentados ao mesmo cenário obscuro que o músico ajudou a identificar em um passado recente. Menos próximo do clima bucólico que se estendia em toda a execução do cuidadoso e pequeno registro proposto há dois anos, Naves regressa ao mesmo acabamento urbano e sujo que lhe trouxe destaque em meados da década passada, quando canções de versos dilacerantes e imersos na mais profunda honestidade fizeram do paulistano um dos grandes letristas da nova geração – ainda que muitas vezes esquecido.

Primeiro exemplar solo do cantor, o disco mantém na constante proximidade entre as faixas um resultado que cresce de maneira a sufocar e ao mesmo tempo se aproximar do ouvinte. Transformando referências do cotidiano e dores nitidamente particulares na massa conceitual que dá formas ao álbum, Naves faz do registro uma espécie de diário ou confissão profunda de tudo o que viveu entre o lançamento do trabalho anterior e o atual. Ao mesmo tempo em que mantém regular a projeção de uma obra de específico cerco pessoal, o músico possibilita ao ouvinte uma perturbadora e sádica relação. É como se ao aceitarmos invadir os versos bem direcionados do cantor, fossemos naturalmente obrigados a acompanhar todo seu sofrimento, relação que lentamente estabelece um curioso sentimento de empatia por parte do espectador.

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Da mesma forma que as letras bordadas no interior dos discos da Ludovic pareciam estabelecer uma curiosa relação de intensa intimidade (e até raiva) com o ouvinte, ao mergulhar em carreira solo Naves consegue mais uma vez resgatar esse mesmo sentimento de puro comprometimento. Distante de seguir os mesmos passos de toda a infinidade de bandas que compreendem o cenário independente nacional, falando sobre amor de forma tola ou desajustes existenciais de novos adultos, o compositor vai além desse limite, propondo um registro que se sustenta em versos nitidamente amplos e encrustados pela dor. Da detalhada e rara relação com a própria mãe em Maria Lúcia, Santa Cecília e Eu aos desgastes pessoais que flutuam sombrios em músicas como Pronto Para Morrer (O Poder de Uma Mentira Dita Mil Vezes) e No Fim Da Ladeira, Entre Vielas Tortuosas, Naves se sustenta como um poeta de linguagem curiosa e (felizmente) nunca convencional.

Talvez pela musicalidade sóbria que pende ao pós-punk, em diversos momentos E Você Se Sente Numa Cela Escura… esbarra na mesma tonalidade assumida no álbum Dois (1986) da Legião Urbana. A própria construção poética e instrumental realçada em músicas como Guilhotinesco e Vida Com V Maiúsculo, Vida Com V Minúsculo estimulam uma curiosa relação com o que se disseca em composições clássicas como Andrea Doria. Entretanto, enquanto os versos de Renato Russo pendiam em alguma medida ao esperançoso (“Tenho o que ficou/ E tenho sorte até demais”), Naves parece inclinado a se desprender dessa medida, temperando o álbum com a dor honesta de separações, amarguras constantes e até o desprezo próprio.

Provavelmente o que mais distancia Jair Naves dos anteriores inventos testados com a Ludovic é a capacidade do músico em se aventurar por composições que mesmo dolorosas mantém uma sonoridade nitidamente agradável. A medida testada em faixas como A Meu Ver e Eu Sonho Acordado não apenas garante credibilidade ao recente álbum como proporciona uma nova identidade ao artista, que encontra em teclados doces e guitarras donas de acordes melódicos um contraste rico para os versos densos que definem o trabalho. E Você Se Sente Numa Cela Escura… talvez seja um desses trabalhos que você precisa de inúmeras audições até compreendê-lo, contudo, uma vez em sincronia com a mesma dor enaltecida por Naves, difícil querer ver apenas o lado bom e a felicidade até boba que flutua pelo mundo.

E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas (2012, PopFuzz/Travolta Discos)

Nota: 9.0
Para quem gosta de: Ludovic, Violins e Lupe de Lupe
Ouça: Eu Sonho Acordado, Maria Lúcia, Santa Cecília e Eu e Carmem

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.