Disco: “Ekstasis”, Julia Holter

/ Por: Cleber Facchi 15/03/2012

Julia Holter
Experimental/Lo-Fi/Ambient
http://juliashammasholter.com/

Quando os portões da New Age foram abertos no começo da década de 1970 por Vangelis e tantos outros entusiastas do ainda inominado estilo musical, é muito provável que nenhum desses místicos compositores tivessem a real noção do fenômeno que disseminariam nas décadas seguintes. Aliados a explosão do movimento hippie, o grupo de compositores foi buscar na música clássica e em elementos que “brotavam da natureza” toda a força para os extensos e vivos tratados que promoviam. Como resultado, uma frente incalculável de seguidores tratou de acompanhar a frente de músicos, que não apenas assumiram boa parte das trilhas sonoras que surgiram dali pra frente, como estabeleceram uma pequena revolução místico-musical em todo o mundo.

Praticamente renegada ao longo das últimas duas décadas – com exceção de bichos-grilos aposentados e professores de teatro, alguém ainda guarda algum CD da “nova era” em casa? – a New Age vem ao longo dos últimos anos atraindo uma série de novos seguidores dentro da cena alternativa. Entretanto, longe do sentimento místico e das sensações flutuantes de outrora, os novos adeptos desse tipo de som parecem observar e ouvir esse tipo de som com outros olhos e ouvidos, ainda focando em percepções banhadas pela espiritualidade, porém doutrinadas de maneira mais “comercial” e capaz de flertar com as novas tendências da produção contemporânea.

Entre ativistas como Julianna Barwick – que em 2011 nos convidou para dentro do espiritual The Magic Places -, Sleep ∞ Over, Maria Minerva e tantos outros estranhos personagens do obscuro panorama norte-americano, talvez a personagem que melhor se relacione com a produção gerada há quatro décadas seja a californiana Julia Holter. Figura já veterana da cidade de Los Angeles, Califórnia, a jovem compositora alcança a medida exata dos experimentos que vem desenvolvendo há mais de cinco anos, fazendo do recente Ekstasis (2012, Rvng Intl) um portal para uma dimensão marcada por experiências etéreas e estranhas percepções que deixariam orgulhosos nomes como Enya ou Kitaro.

Não apenas olhando para as mágicas criações que afloraram na década de 1970, Holter se mantém firme no presente, absorvendo de maneira atenta todas os possíveis experimentos elaborados dentro da cena Freak Folk – Joanna Newsom está entre as principais influências – ou mesmo observando os experimentos que povoam a produção musical no Brooklyn, Nova York. Há ainda um vestígio de anos 80, com a californiana soando em diversos momentos muito próxima de Kate Bush, em seus momentos mais medievais, fazendo com que a música por ela elaborada mantenha certa dose de proximidade com o público, evitando experimentos exagerados.

Muito mais centrado e pouco mais extenso que o anterior trabalho da cantora – Tragedy, de 2011 -,  Ekstasis mantém o esforço de Holter em produzir um álbum mais harmônico, com a musicista abandonando os experimentos herméticos do disco passado e tragando o ouvinte para um bosque de cores e formas musicais distintas. Oposto do projeto lançado no último ano, em sua nova fase a musicista reforça o uso da voz (seria reflexo e inspiração do bem sucedido trabalho de Barwick?), elemento que abandona o plano de fundo a que estava limitado, garantindo destaque e consequentemente proporcionando maior beleza ao trabalho da californiana.

Com a voz como elemento de domínio do disco, Holter utiliza da iluminada instrumentação como mecanismos para circundar e garantir maior destaque aos versos, algo que Goddess Eyes com seus efeitos sintetizados ou Four Gardens e os loopings tomados de maquiagem acústica explicitam com perspicácia. Movido por uma força hipnótica e quase angelical, Ekstasis (o álbum) corresponde com exatidão ao título que carrega: um grande encantamento divino que em poucos instantes é capaz de elevar a consciência e o corpo do ouvinte. A Era de Aquário está só começando, e Julia Holter surge como a principal anunciadora desse tempo.

Ekstasis (2012, Rvng Intl)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Julianna Barwick, Bate Bush e Maria Minerva
Ouça: Four Gardens e Marienband

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.