Disco: “Entre”, Kamau

/ Por: Cleber Facchi 26/07/2012

Kamau
Brazilian/Hip-Hop/Rap
http://kamau.tumblr.com/

Por: Cleber Facchi

Quando Non Ducor Duco foi lançado em meados de 2008 a situação do rap nacional era bem diferente da que define com louvores o cenário atual. Nomes como Emicida, Criolo, Lurdez da Luz, Projota, Flora de Matos e tantos outros artistas que correspondem ao presente hip-hop brasileiro não passavam de figuras vagas em um cenário que ainda recordava a ascensão dos Racionais MC`s em idos dos anos 90 ou as polêmicas em torno da rápida obra do Planet Hemp. Dentro desse inexistente ou ainda tímido panorama, o título de “Não Sou Conduzido, Conduzo” que se escondia na frase em latim do álbum dava ao paulistano Kamau um caminho próprio, como se o rapper formasse as bases para um universo sonoro e lírico que ainda estava por nascer.

Passados quatro anos desde que faixas como A Quem Possa Interessar, Tambor e definiram os limites até então parcos da obra do rapper, em Entre (2012, Plano Áudio) Kamau restabelece todos os acertos de outrora, complementando as referências que alicerçaram as bases do registro com uma ampla variedade de novos beats e samples primorosos. Particularidades raras que ampliam com distinção os limites do novo trabalho do veterano, que assim como no registro que o antecede, evoca as mazelas sociais, a melancolia e os desajustes entre os povos como as bases para que um conjunto raro de 13 novas faixas possam aos poucos se aprimorar.

Representante nacional da mesma frente estrangeira de artistas que brincam com um som mais acessível e por vezes pop – como Schoolboy Q e Kendrick Lamar -, Kamau mantém na natureza melódica do disco a proposta para a construção de um trabalho funcional e permeado inteiramente por bons hits. Sem cometer os mesmos exageros que hoje preenchem a obra de Marcelo D2 e evitando a todo o instante a construção de um disco demasiado cinza como os de Emicida, o rapper encontra no meio termo das formas o equilíbrio para o florescimento de um disco complexo e simples na mesma medida.

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Exemplo funcional da acessibilidade e do tom melódico que preenche disco está na participação de Tulipa Ruiz em Lágrimas de Palhaço. Referencial tupiniquim do que há tempos torna atrativo o rap norte-americano (e até exagerado em alguns instantes), a colaboração entre o rapper e a cantora faz nascer uma composição que se abre aos mais variados públicos. Enquanto ele traduz com rimas sutis uma variedade de sentimentos e pensamentos existenciais, Ruiz pontua com a voz doce que a tornou conhecida versos delicados que praticamente se derretem nos ouvidos do espectador, tudo isso enquanto uma base suave flui equilibrada até o encerramento da canção. Mais do que um acerto único, a faixa ecoa como um ponto de abertura para que outras composições do disco como 21/12 e Música de Trabalho partilhem da mesma proposta.

Embora mantenha o tom “ameno” em grande parte do registro, quando Kamau decide pesar nas rimas (e até nas bases que preenchem as músicas), nenhum esforço é poupado. Em (Eu quero) Mais, por exemplo, versos como “mais do que ser chamado pelo termo mais correto/ quero o justo/ quero o certo/ pro meu filho/ pro meu neto”, arrastam sem piedade o ouvinte para um cenário temperado pela crueza e a desonestidade que cerca os menos favorecidos. É nesses momentos que o rapper estabelece uma ponte firme com o registro anterior, se desvencilhando do acabamento pop das demais canções e mantendo os pés bem firmes nos subúrbios.

Dentro dessa medida versátil que nos aproxima tanto de canções mais suaves (Pretinha) como de músicas delimitadas por um teor sério e amargurado (Eu Vou), Kamau estabelece um trabalho que além de falar com todos os públicos amarra como próximos os mais variados e por vezes incompatíveis temas. Se o álbum anterior entregava um artista movido inteiramente pelo acabamento sóbrio das músicas, hoje o rapper parece ir além desse limite, abraçando percepções que além de aproximá-lo da nova vertente de artistas nacionais preparam o terreno para o que ainda pode ser desenvolvido. Entre e deixe que o rapper o conduza ao longo do labirinto de detalhes que lentamente se edificam no decorrer do disco. Apenas entre.

Entre (2012, Plano Áudio)

Nota: 8.2
Para quem gosta de: Emicida, Projota e Rashid
Ouça: Eu Vou, Lágrimas de Palhaço e 21/12

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.