Disco: “Estilhaça”, Letuce

/ Por: Cleber Facchi 08/09/2015

Letuce
Nacional/Rock/Alternative
http://www.letuce.com.br/

Angústia, medo, raiva e amor. Desde a estreia com Plano de Fuga pra Cima dos Outros e de Mim (2009), elementos fundamentais dentro do cardápio de sentimentos que abastecem a obra da banda carioca Letuce. Em Estilhaça (2015, YB), terceiro álbum de inéditas do projeto comandado por Letícia Novaes e Lucas Vasconcellos, curioso perceber nesse mesmo reaproveitamento de temas, versos fragilizados e fórmulas, o nascimento de uma obra caótica, propositadamente instável e íntima dos conflitos de qualquer (ex-)casal de namorados.

Juntos desde 2007, o casal anunciou a separação em abril de 2013, mais de um ano após o lançamento do ótimo Manja Perene (2012), uma verdadeira colcha de retalhos amorosos e declarações românticas. Ainda que a separação de Novaes e Vasconcellos tenha sido amigável, como a própria dupla fez questão de reforçar em um anúncio publicado no Facebook da banda, difícil passear pelo interior do presente disco sem tropeçar em pequenas farpas sentimentais ou estilhaços que refletem a história de diferentes relacionamentos fracassados.

E toda noite eu arranco o meu coração / De manhã ele volta a crescer”, canta Novaes na amarga (e melancólica) Lugar para dois, um fino retrato do rompimento de qualquer casal. “O que há de incrível no amor / Que eu ainda insisto?”, questiona a vocalista na mesma canção, estímulo para toda a sequência de faixas acinzentadas que preenchem o registro, músicas como Muita Cara – “Se eu quiser eu tenho muita cara de dor / De amor, de dor, de amor / Se eu quiser eu tenho muita cara” e Muralha da China – “Eu quero o antes / Eu quero o antes”.

Mesmo que o peso dos arranjos e vozes seja sentido até o último instante da obra, difícil encarar Estilhaça como um trabalho exageradamente sofredor, dramático ou um típico “álbum de separação”. Trata-se de uma obra honesta, crua em momentos pontuais, caso da inaugural Quero Trabalhar com Vidro – “Trazendo o mundo pra dentro / Pra fora, pra dentro / Pra fora, pra dentro / Fudendo com o mundo” -, e até esperançosa, marca da assertiva e doce adaptação de Love Is Magik, do cantor Raul Seixas.

Com produção assinada por João Brasil, mixagem de Renato Godoy e capa dividida entre Elisa Rimer e Ana Alexandrino, Estilhaça é o trabalho em que o som e o ambiente antes restrito ao casal Letuce se abre delicadamente. Uma obra que autoriza a passagem de diferentes colaboradores, novos parceiros de composição e instrumentistas, caso de Fábio Lima no baixo, Thomas Harres na bateria e Arthur Braganti nos teclados.

Orientado pela distorção das guitarras, musicalmente Estilhaça se comporta como o trabalho mais poderoso e versátil de toda a discografia da banda. Em um duelo constante, a voz de Novaes tenta ocupar o espaço dominado pelo instrumento de Vasconcellos, marca explícita na intensa Aristoteles Laught, psicodélica composição e uma espécie de passeio pela banda pelo rock dos anos 1970. Sobram ainda faixas como a enérgica Muralha da China, os experimentos de Animadinha e até a colisão de ritmos que sustentam a derradeira Todos Querem Amar, referências da constante adaptação de temas e pequenas divergências exploradas pela dupla até os instantes finais do álbum.

Estilhaça (2015, YB)

Nota: 8.6
Para quem gosta de: Baleia, Qinho e Castello Branco
Ouça: Lugar para Dois, Muralha da China e Aristoteles Laught

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.