Disco: “Falo de Coração”, Lucas Vasconcellos

/ Por: Cleber Facchi 26/11/2013

Lucas Vasconcellos
Brazilian/Indie/Alternative
https://www.facebook.com/Lucas-Vasconcellos/

Por: Cleber Facchi

Lucas Vasconcellos

Ao lado da esposa Letícia Novaes, Lucas Vasconcellos fez do Letuce um dos retratos mais curiosos da intimidade de qualquer casal. Confissões, intrigas e um jogo de versos provocantes ultrapassaram os clichês do gênero em prol de duas obras de forte diálogo com o presente – Plano De Fuga Pra Cima Dos Outros E De Mim (2009) e Manja Perene (2012). Longe da parceira e assumindo na individualidade os versos e arranjos de Falo de Coração (2013, Agente Digital/Bolacha Discos), o cantor e compositor carioca até busca pelo distanciamento conceitual, mas acaba transformando o presente álbum em uma bem sucedida extensão da obra que há tempos vem desenvolvendo.

De fluidez melancólica, o disco parece posicionado entre o começo do álbum de 2009, ou, quem sabe, ao final do registro apresentado no último ano. São canções de versos tristes que substituem as carícias do casal por um forte sintoma de afastamento. É como se o bem acompanhado “personagem” de Vasconcellos (no Letuce) encarasse de vez a solidão, efeito reforçado tanto nos versos, como nos arranjos do disco. A proposta garante uma obra essencialmente arrastada e perturbadora, como o coração partido do músico atrasasse os passos, vozes e todo o ambiente cinza que aos poucos circunda o universo cantor.

Íntimo da mesma composição encontrada em Medo de Baleia, Anatomia Sexual e demais faixas soturnas de Manja Perene, o presente disco fragmenta a bossa nova em um cenário instrumental obscuro e propositalmente confuso. Tudo funciona em uma medida específica de tempo, o que força o ouvinte a absorver o disco em pequenas e difíceis doses. Quase uma obrigação para saborear as nuances amarguradas que definem a estética final do trabalho. De formatação musical compacta, o disco se esquiva de possíveis surpresas, concentrando na manifestação densa dos versos o real destaque do álbum e o segredo para abraçar a poesia egoísta de Vasconcellos.

Totalmente próximo dos sentimentos e impressões isoladas do músico, o disco leva tempo até se relacionar de maneira estável com o ouvinte. Ainda que músicas como Eu Não Vou Chorar Pra Fora e Morfina assumam uma poesia universal, trazendo na melancolia do pós-relacionamento a base para os versos, durante todo o álbum a individualidade do criador se manifesta como o princípio básico para o nascimento das faixas. A sensação de estar perdido na mente de Vasconcellos é constante até a última faixa, o que transforma músicas como Flor de Tudo em uma inevitável desconstrução do registro.

Como um complemento para os versos, boa parte dos instrumentos e arranjos pensados para a obra são expostos de maneira não linear. São harmonias de pianos que atravessam acordes curtos, batidas pontuadas pela incerteza e um jogo de experiências tortas capazes de forçar os versos e vozes a mudarem rapidamente de direção. Basta perceber a forma como Leal ou E Se a Vida For são planejadas de forma instável para entender isso. Não existe começo, meio ou fim na composição do disco, o que naturalmente converte o trabalho em um pequeno labirinto de memórias entristecidas.

Refúgio lírico e instrumental, Falo de Coração parece seguir as mesmas pistas deixadas por Rodrigo Amarante (em Cavalo) e Cícero (com Sábado), sufocando o ouvinte em um ambiente particular. Todavia, enquanto a estabilidade dos sons e versos parece servir como base para a obra dos conterrâneos, Vasconcellos assume na completa ausência de direção o princípio para o fortalecimento do álbum. Exercício que garante ao registro um estágio involuntário de renovação e constante sentimento de amargura que cada vez mais parece soterrar o espectador.

 

Lucas Vasconcellos

Falo de Coração (2013, Agente Digital/Bolacha Discos)

Nota: 8.3
Para quem gosta de: Letuce, Rodrigo Amarante e Fábrica
Ouça: Eu Não Vou Chorar Pra Fora, Eu Parti e Morfina

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.