Disco: “Fricção”, D MinGus

/ Por: Cleber Facchi 20/06/2013

D MinGus
Experimental/Alternative/Psychedelic

Por: Cleber Facchi

D MinGus

Domingos Sávio é uma espécie de mago ou criatura fantástica que parece ter atravessado o tempo. Mantendo base na sonoridade firmada nos anos 1970, o cantor e compositor pernambucano traz no resgates específicos do que foi conquistado há três ou mais décadas o componente básico para abastecer as excentricidades sonoras e poéticas de Fricção (2013, Independente), terceiro e mais novo registro da carreira à frente do D MinGus. Filho pródigo do Krautrock e bastardo da psicodelia tropical que tomou conta da música brasileira no passado, o músico usa de cada uma das estranhas faixas que se espalham pelo disco como um exercício claro de experimentação.

Interessado na mesma essência nostálgica que acompanha o propósito da bandas como Cidadão Instigado e Mopho, Sávio atravessa o novo disco em um esforço constante de nítida descoberta. Completamente oposto das afinações com o Folk e o bucolismo acústico que decidiram os rumos dos trabalhos anteriores – principalmente o caseiro Canções do Quarto de Trás (2012) -, o músico e os parceiros de grupo trazem na convergência de elementos sintéticos um princípio para uma obra que vai muito além de qualquer limite prévio. Ora lisérgico, ora onírico, o álbum incorpora em cada escolha uma mutação sonora crescente, exercício que intencionalmente parece montado para confundir o ouvinte.

Não se deixe enganar, ainda que o Dream Pop essencialmente ambiental de Frágil penugem nos ares gelados, faixa de abertura do disco dê a entender que temos em mãos um trabalho de certezas, música após música o oposto dessa percepção é o que sustenta a recente obra de D MinGus. Apresentada logo em sequência, De corpo presente é um misto de Os Mutantes da fase progressiva com o romantismo brega de Odair José, um encontro que parece temperado pelas experiências tortas do Kraftwerk (ou seria Can?). Sobram ainda heranças volumosas de bandas como Neu! (Buraco no tempo-espaço) e até arranjos que esbarram em Secos e Molhados (Naturalmente punks), uma visita ao passado, sem desgrudar do presente.

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Assim como a capa que acompanha o disco, Fricção é a abertura para um universo próprio. São formas instrumentais flutuantes, vozes que brincam entre o acessível e o esquizofrênico, além de uma variedade de sons que se alteram do princípio ao fim de cada nova música. Sem o compromisso em assumir qualquer esforço de linearidade, o disco faz de uma colagem imensa de ritmos e referências o princípio para abastecer a obra. Fino exemplo dessa transformação se encontra em músicas como Devoniano e Quatro ventos, afinal, enquanto a primeira brinca com a temática sintética do 8-Bit para depois se perder em um mar de arranjos voltados ao pós-rock, a segunda se permite flutuar em um misto de psicodelia e ambient music. Aproximações de natureza oposta, mas capazes de se encaixar no princípio ilógico do álbum.

No que tange a poesia incorporada por Sávio, o princípio talvez seja ainda mais torto e naturalmente inventivo do que as próprias melodias. São manifestações cotidianas, como àquelas expressas em De corpo presente e Vendo um meteoro passar, ou mesmo canções que se esparramam em referências próprias, matéria incorporada na formação da música de encerramento, O fantasma do underground. Entretanto, é na criação da biográfica Eno que o álbum se mostra curioso. Espécie de homenagem ao músico e produtor Brian Eno, a faixa se sustenta por quase três minutos reforçando a obra prévia do artista britânico, tudo isso enquanto um jogo de sons se relacionam diretamente com a sonoridade abordada durante toda a carreira do compositor.

Provavelmente o maior esforço no decorrer da obra não seja o de D MinGus ao brincar com as experimentações sonoras em um caráter desmedido, mas para o próprio ouvinte, em tentar se manter em pé a cada terreno tortuoso que o disco pavimenta. Fazendo valer o próprio título, Fricção se manifesta como um choque constante, um espaço instável entre ideias que se esbarram, absorvem e provocam o espectador. Divergência e convergência de ideias capazes de dançar em um composto sonoro de plena nostlagia e ainda assim, atenção com o presente.

D MinGus

Fricção (2013, Independente)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Cidadão Instigado, Mopho e Astronauta Pinguim
Ouça: Frágil penugem nos ares gelados, Devoniano e Estroboscópica

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.