Disco: “Hábito da Força”, Filarmônica de Pasárgada

/ Por: Cleber Facchi 05/11/2012

Filarmônica de Pasárgada
Brazilian/Indie/MPB
http://filarmonicadepasargada.com.br/

Por: Sylvia Tamie

Aos dez anos, em uma aula de grego no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, Manuel Bandeira transliterou para o português o nome de uma cidade cuja sonoridade nunca mais saiu de sua cabeça: Pasárgada. Em torno dessa sinfonia proparoxítona de vogais abertas ele construiu todo um universo poético focado nas pequenas alegrias e tristezas do cotidiano. Ao contrário do que muitos pensam, Pasárgada realmente existiu, na antiga Pérsia, região da atual Turquia e era onde ficava a casa de verão do imperador Ciro. Um local, portanto, de descanso e delícias, feito para esquecer o tempo e aproveitar os dias longos. Pois é este o lugar que a Filarmônica de Pasárgada pretende representar dentro da música brasileira: do encontro da poesia com a música de melhor formação clássica surge um registro de MPB leve e inteligente.

Composta por sete músicos formados pela ECA-USP e pela EMESP, a mais nova banda nerd-fofa da cidade de São Paulo lança agora o primeiro disco de estúdio, O Hábito da Força. Registro de faixas já conhecidas pelo público que acompanha o grupo em apresentações gratuitas do circuito universitário, mas que ainda não estavam disponíveis para download – só algumas canções no Myspace e no Youtube, em gravações ao vivo bem precárias – o álbum é um forte candidato a figurar entre as estreias do ano, produzido por Alê Siqueira e com participações especiais de Luiz Tatit, Ná Ozzetti, Cerqueira, Kassin e Lurdez da Luz.

As composições de Marcelo Segreto (vocal e violão) são difíceis de definir: cada uma parece começar uma história nova. Movido por uma vontade de rir de si mesmo e das próprias carências e por uma consciência, talvez excessiva, da presença dos meios de comunicação – “Passa carnaval, chacina, BBB/ só essa saudade que não passa” – aliada à crítica de costumes, ele surpreende pela inventividade nas letras e pelas melodias que, apesar de simples, com inspiração direta da bossa nova, do samba e do chorinho, não abre mão de alguns toques experimentais com silêncios e interrupções e nas variações dos acompanhamentos.

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As músicas utilizam bem as possibilidades da presença de dois vocalistas: de um lado Segreto e seu jeito Charlie Brown (“Brad Pitt casou/ Marlon Brando morreu/ Depois de esperar, esperar o Romeu/ Você vai sacar que o cara sou eu…”) e de outro o carisma de Paula Durham. Paula, aliás, também é atriz, integrante do grupo Les Comédiens Tropicales, conhecido em 2010 pela elogiadíssima montagem de O Pato Selvagem, de Ibsen, em que o experimentalismo chegava ao ponto de desconstruir o texto teatral: atores gritavam todos simultaneamente ou os diálogos eram projetados como conversas no MSN, em vez de falados. Esse experimentalismo cênico se reflete nas canções da Filarmônica, por exemplo em Amanhã, quando todos os músicos tentam interferir no discurso todos ao mesmo tempo.

A instrumentação ajuda a transformar cada uma das canções em uma peça única: além dos dois vocais, violão, baixo, bateria, piano e acordeão, flauta transversal, fagote e trombone se alternam em diferentes combinações. Desse modo, o piano de Fernando Henna dá o tom melancólico em Fora do Ar, a percussão e os sopros marcam o ritmo de sambinha em faixas como Por um fio e o baixo elétrico dá base ao rock n’ roll de Quem procura. Os instrumentos também dão apoio a uma variedade de citações musicais, que numa mesma faixa podem alternar a música original com Tarde em Itapuã, Edith Piaf e pagode, estabelecendo constantemente intertextos e dando significados novos a canções que todo mundo conhece.

O seu tipo é a faixa que, talvez, melhor sintetiza a música desta Filarmônica. A banda alterna os vocais femininos e masculinos (no disco, com participação de Ná Ozzetti e Luiz Tatit), pontuados pela alternância entre o trombone e a clarineta, em uma letra em que os estereótipos urbanos servem de obstáculo ao amado ou à amada: entram a grande mídia – “Apareço no Datena pra você ficar com pena/ Só você que não me vê” –, cujas palavras quase rimam entre si – “Pelo nível do Ibope/ Haja Blush e Fotoshop” –, e a crítica aos estereótipos a que se tenta corresponder na busca de afeto – “Não adianta camiseta do Che/ e nem a barba que eu deixei de fazer/ Nem mochilão do Chile até Machu Picchu, eu nunca faço o seu tipo”. Na parte final, os aplausos do público (momento já esperado nas apresentações) são integrados à canção, que fala do fracasso total de conquistar alguém até na hora de tocar uma música para ele ou ela.

Como cantam todos os músicos juntos logo na abertura do trabalho, a Filarmônica de Pasárgada chega fazendo barulho, pra polícia nos pegar. Hábito da Força é um disco para ser ouvido muitas vezes, mesmo porque cada faixa compreende, às vezes, um excesso de informações musicais, textuais e cênicas que o ouvinte de primeira viagem precisa estar com disposição para assimilar e que despertam a questão, típica de álbuns de estreia, se será possível manter esse fôlego e essa densidade, pelo que torcemos em uma banda já surgida com tal grau de inovação e maturidade.

Hábito da Força (2012, Coaxo do Sapo)

Nota: 7.7
Para quem gosta de: Orquestra Imperial, Trupe Chá de Boldo e Tono
Ouça: O seu tipo, Quem sabe e Gagá

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.