Disco: “How Do You Do”, Mayer Hawthorne

/ Por: Cleber Facchi 11/10/2011

Mayer Howthorne
Soul/Funk/Neo-Soul
http://www.myspace.com/mayerhawthorne

 

Por: Gabriel Picanço

A segregação racial na sociedade e na música americana sempre foi algo muito forte e sério. Não que os negros combatessem com violência musical os brancos ou vice e versa, mas havia pouca penetração de artistas de outra “raça” em um gênero mais identificado com outra. E muitas vezes, a música serviu como arma política e social para a população afro-descendente americana. Alguns identificam como ponto de virada para a situação de separação entre “música de brancos” e “música de negros” a disco music, variante para pista do R&B, soul e funk dos negros. O gênero, que antes era essencialmente voltado para o público negro e homossexual, alcançou o mainstream e virou mania mundial graças ao filme “Embalos de sábado à noite”, estrelado por Jonh Travolta e com trilha do grupo branco e australiano Bee Gees. Com o passar do tempo, a mistura se tornou regra, até a chegada, na década de 1990, de grupos de funk-rock como Red Hot Chili Peppers, Primus, Jane’s Addiction e supremacia de grupos de R&B como Backstreet Boys e NSYNC.

Essa forte oposição entre raças pode causar algum estranhamento aos brasileiros, povo que teve gênese na mistura racial, como já defendiam Paulo Prado, Sérgio Buarque de Holanda , Gilberto Freyre e outros estudiosos da história do país. Mas, na América, isso era normal ao ponto existirem rádios e programas de TV voltados exclusivamente para os negros. O principal deles, Soul Train, que durou 1971 até 2006, recebeu em seu palco todos os principais artistas de soul, funk, R&B, disco, hip hop e jazz. Pense em alguém importante que se encaixe nesses quesitos de raça e sonoridade, e tenha certeza, ele passou pelo show. A esmagadora maioria dos artistas era negra, é claro.

Entre 1971 e 1975, apenas dois artistas brancos se apresentaram no lendário show. O primeiro foi Dennis Coffey, lendário guitarrista de funk em atividade até hoje. Três anos depois foi a vez de Elton John. Agora tente imaginar: o californiano Mayer Howthorne, esse branco com a maior cara de nerd, faria algum sucesso em um programa como esses? A pergunta é difícil, mas se dependesse apenas da música presente em seu novo disco, How Do You Do, não importa a cor da pele, todos iriam dançar.

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O primeiro ponto para o californiano Mayer é que ele realiza com louvor a sua intenção de fazer um som a moda antiga. Talvez seja exagerado dizer que ele queria ser negro, mas que ele vive no passado fica óbvio.  Isso o difere de artistas como Amy Winehouse e Jamie Lidell, britânicos que trouxeram alguma transformação para a música negra que resolveram homenagear. Audiófilo (é engenheiro de som) e voraz pesquisador musical (é DJ e colecionar discos), Hawthorne já tinha o cuidado, desde o seu primeiro álbum, A Strange Arrangement, de 2009, de construir uma obra que soasse daquela época. É o seu segundo disco, How Do You Do, é uma autentica festa da música negra setentista. Aliás, o clipe do primeiro single do disco, A Long Time, é uma bela homenagem ao Soul Train, programa de TV que recebeu tantos ídolos de Mayer. Assista o clipe e tenha idéia de como era uma das coisas mais divertidas da história da TV mundial.

A Strange Arrangement também foi uma festa, ainda que um pouco tímida. Get to  Know You, primeira faixa de How Do You Do, é o início de outra. Mais precisamente, é o finalzinho da primeira festa. Mayer diz com uma voz cafajeste que “É o fim da noite. Eu me diverti também, mas, isso não precisa terminar aqui. Eu sei que a gente acabou de se conhecer, não conhecemos um ao outro muito bem ainda. Mas eu não consigo evitar o sentimento que existe algo especial entre nós. Eu realmente quero te conhecer melhor”. O branquelo faz o convite de modo tão persuasivo na faixa que abre o disco que é impossível não aceitar. Quem gostou do primeiro disco certamente responderá “Sim, foi tudo muito bom e agente podia se divertir mais”.  Em A long Time a festa volta com tudo. A faixa dois nasceu pra pista e faria sucesso em qualquer época que fosse lançada. Seria hit certeiro no Soul Train, com direito aos dançarinos indo a loucura com a letra pra cima e o groove poderoso.

Em seguida, uma faixa com a participação do grande amigo de Mayer e lenda do Hip Hop, Snoop Dogg. O resultado, maravilhoso, não é nada disso que se imagina de primeira ou ler “Can’t Stop – feat. Snoop Dogg“. Sem mais comentários, essa faixa esconde a maior surpresa do disco. How Do You Do segue impecável até o final, com faixas tão redondas que parecem acabar rápido demais. E sempre dançante, muito mais que a estréia do artista. Apesar do coração partido no logo da capa do cd, o maravilhoso How Do You Do é muito mais para cima que o melancólico e apaixonado A Strange Arrangement, ainda que tenha momentos para dançar coladinho You’re Not Ready e a já citada Get To Know You.

 

How Do You Do (2011, Island)

 

Nota: 8.1
Para quem gosta de: Raphael Saadiq, Aloe Blacc e Adele
Ouça: A long Time e Dreaming

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.