Disco: “Hurry Up, We’re Dreaming”, M83

/ Por: Cleber Facchi 01/09/2011

M83
French/Electronic/Post-Rock
http://www.myspace.com/m83

Por: Cleber Facchi

2008.

O mês de abril já estava próximo de chegar ao fim quando uma amiga de longa data me encaminhou um entusiasmado e-mail. Eufórica com sua nova descoberta, a garota anunciava em letras garrafais o quanto Saturdays = Youth, recente álbum de uma suposta banda francesa havia “mudado sua vida”. Embora já tivesse me deparado com o registro em questão, bem como os álbuns que o precedem, naquele momento me perder em meio aos sintetizadores multicoloridos de In Ghost Colours do Cut Copy, cantar Blind do Hercules and Love Affair à plenos pulmões ou descobrir uma oculta paixão pelo afrobeat através do Vampire Weekend parecia o que havia de melhor.

Foi só no começo do ano seguinte, quando uma infinidade de revistas e sites especializados haviam mais do que elogiado o “quinto registro em estúdio do M83”, que resolvi finalmente dar outra chance ao bem conceituado disco. Novamente recorri ao e-mail de minha amiga, que além das efusivas palavras sobre o trabalho trazia a completa discografia do projeto francês “formado em 2001 na cidade de Antibes”. Com calma, e me deixando conduzir pelo passeio musical etéreo proporcionado pelo disco fui aos poucos compreendendo em que se baseavam todas as emanações por ele repassadas, mais do que imediatamente me juntando ao volumoso número de indivíduos fascinados com tão delicado álbum.

2011.

Buscando de alguma forma não cometer o mesmo erro daquele época, logo que Hurry Up, We’re Dreaming (2011, Mute) – novo trabalho do projeto que traz o músico e produtor Anthony Gonzalez como seu grande idealizador – chegou através de um e-mail enviado pela mesma amiga, parti para uma exaustiva audição do registro, que traduz seus mais de 70 minutos de duração em uma única palavra: surpresa. Por mais que as expectativas geradas a partir de Midnight City, primeiro single do disco (lançado em idos de julho) já fossem grandes, ao nos depararmos com a totalidade do álbum é que temos uma completa noção de seu poderio.

Logo após o anúncio de que o sexto trabalho do M83 viria como um álbum duplo – contabilizando 22 faixas -, mesmo que em seus discos anteriores Gonzalez já houvesse comprovado toda sua habilidade em condensar elementos sintéticos e orgânicos em uma mesma composição – movimentando um som inundado de sintetizadores, flautas, violões, guitarras e alguns elementos percussivos -, não há como esconder as dúvidas em relação a um trabalho deste porte. Entretanto, desenvolvendo uma espécie de universo paralelo musical, o artista europeu transfere toda sua genialidade para dentro do álbum, fazendo com que as duas dezenas de composições presentes no trabalho se mantenham integralmente próximas e donas da mesma riqueza de detalhes.

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Diferente de outros álbuns duplos, que mesmo partindo de uma ideia central apresentam dois tipos de conteúdos distintos, em Hurry Up, We’re Dreaming a divisão do disco em duas partes se dá muito mais por questões mercadológicas do que estéticas e musicais em si, afinal, ambos os registros partilham o exato mesmo espírito, ritmo e beleza. Seguindo exatamente de onde parou – o encaixe entre Midnight Souls Still Remain do disco anterior com a faixa de introdução do atual trabalho é exato -, em seu novo álbum Gonzalez abandona o aspecto essencialmente etéreo de sua obra, se voltando para a construção de um som não mais ambiental, mas carregado de referências oníricas, um trabalho que parece simplesmente transportar o ouvinte para um mundo de sonhos e reverberações fantasiosas.

Como o próprio título do trabalho já anuncia –  em português algo como “Rápido, nós estamos sonhando” – o mais recente álbum do M83 se propõe como uma grande trilha sonora para o mundo dos sonhos, com Gonzalez se transformando em uma espécie de guia, nos conduzindo por um panorama de imagens carregadas de sutilezas e pequenos delírios oníricos. Quase pueril e lúdico em determinados momentos, algo bem representado em Raconte-Moi Une Histoire (o título faz referência a uma extinta publicação francesa dos anos 80 voltada ao público infantil) e Fountains, o registro se manifesta como um grande caleidoscópio de diferente sensações, cercando o ouvinte de todas as formas por meio de suas letras cativantes e sua instrumentação recheada de incontáveis instrumentos.

Mesmo se movimentando como um trabalho de fortes características conceituais e que por vezes poderiam o transformar e um registro restrito, a boa formação instrumental da obra, bem como o conjunto de composições puramente radiofônicas que vão se desdobrando no decorrer do disco transformam Hurry Up, We’re Dreaming em um trabalho que mesmo específico se abre ao grande público, algo nunca antes alcançado nos trabalhos do M83. Por todos os lados ecoam composições tomadas de refrões pegajosos, doces, comoventes e incrivelmente dançantes, músicas como Steve McQueen, a já conhecida Midnight City, a melancólica Wait ou mesmo a mais do que comercial Reunion, faixa inimaginável se observarmos os anteriores trabalhos da “banda”.

Embora seja sempre recomendável acompanhar um álbum desde sua abertura até seu fecho, independente do momento ou do ponto do registro em que se resolva ancorar há sempre a garantia de que encontraremos uma composição surpreendente. Mesmo nos momentos mais experimentais ou atmosféricos do álbum, como em When Will You Come Home? e Splendor (que abraça de vez o Pós-Rock), as canções sempre se encaminham de forma a hipnotizar o ouvinte, cercando-o com suas camadas sublimes de sintetizadores ou guitarras que parecem simplesmente ganhar vida.

Ao ouvir o disco fica apenas uma única certeza: Se Hurry Up, We’re Dreaming é um sonho, desculpem, mas nunca mais quero acordar.

Hurry Up, We’re Dreaming (2011, Mute)

Nota: 9.1
Para quem gosta de: Mew, Sigur Rós e My Bloody Valentine
Ouça: O disco todo

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.